NOGRÁFICOMO RAS ADES EDUCADO E CID 2020 D CIONAL ÃO INTERNA ASSOCIAÇ a será uma cidade nunc que cultural seja de ão “Estou convicta imens tura sem que a sua d ente tornar a cul sustentável eracional. É urg s, op políticas urbana s dade, explícita e são chave da o a criativi uma dimen rimónio, apoiand e o o o pat e e garantindo qu protegend iversidad todos.” promovendo a d ível a nto é acess to, conhecime z Pin Catarina Va oa unicipal de Lisb ltura da Câmara M readora da Cu Ve CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 7 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO · 2020 Coleção de monográfi cos Monográfi cos anteriores disponíveis em espanhol, francês e inglês Ciudad, Convivencia y Ciudad, Inclusión Educación Social y Educación Nº6, 2017 Nº5, 2014 Ciudad, Medio Ciudad, Juventud y Ambiente y Educación Educación Nº4, 2012 Nº3, 2011 Ciudad, Deporte y Ciudad, Urbanismo y Educación Educación Nº2, 2010 Nº1, 2009 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO Índice CAÇÃO CIDADE, CULTURA E EDU MONOGRÁFICO 4 Prólogo Joan Subirats 6 Editorial Comissão de Cultura da Cidades e Governos Locais Unidos e Associação Internacional de Cidades Educadoras 8 Carta aos munícipes sobre Cidade, Cultura e Educação Carlos Giménez Romero 16 Artes e cultura na educação. À procura de uma nova terra de cooperação Michael Wimmer 24 As instituições culturais como plataformas de aprendizagem ao longo da vida, criatividade e diálogo intercultural Jenny Siung 32 Vincular a educação com a cultura para construir cidades sustentáveis Jordi Baltà Portolés Catarina Leonardo Michel Ernst Vaz Pinto Garzón Vallée Wagner 38 46 54 62 71 Gunsan: Uma cidade de património cultural moderno e de aprendizagem ao longo da vida Yang Keonseung e Yungjae Jang, Câmara de Gunsan 75 Biblioteca Municipal de Helsínquia, uma cornucópia de cultura e de aprendizagem urbanas Tuula Haavisto, Câmara Municipal de Helsínquia 80 EN RESIDENCIA: Criadores nas escolas de Barcelona. “Aqui encontrámos um espaço para pensar” Carles Giner i Camprubí, Instituto de Cultura de Barcelona 85 A música como motor e facilitador do desenvolvimento sustentável Szastak Dagmara, Cidade dos Jardins de Katowice 89 Escola Livre de Artes Arena da Cultura. Acesso, protagonismo e formação Bárbara Bof, Prefeitura de Belo Horizonte Experiências Entrevistas Artigos Prólogo © Thomas Vilhelm DE, CULTURA E EDUCAÇÃO CIDA MONOGRÁFICO Ap resente Monografia pretende demonstrar que as de Cidades Educadoras, como a Comissão para a Cultura cidades são, em si mesmas, agentes educadores, e da CGLU, entendem que estas desigualdades poderiam que o seu ambiente educativo e culturalmente diverso ser abordadas de modo mais eficaz se as instituições tem implicações no desenvolvimento pessoal e coletivo educativas e culturais partilhassem estratégias e da cidadania. O acesso à vida cultural, bem como a linguagens desde uma perspetiva global e, ao mesmo participação ativa na mesma, também fazem parte do tempo, se se fomentassem as práticas comunitárias. processo de aprendizagem de todas as pessoas e conta, nas Nesta Monografia encontram-se reunidos diversos artigos cidades e nos territórios locais, com um cenário privilegiado. de fundo, entrevistas e uma seleção de experiências Nas nossas cidades convivem numerosos agentes ativos diversas que valorizam a importância da ação cultural e nas áreas da educação e da cultura que desenvolvem educativa. Tem como objetivo introduzir uma mudança experiências significativas nos seus respetivos âmbitos. de olhar e fomentar a colaboração entre os agentes Partilham valores e objetivos, mas muitas vezes como educativos e culturais, para que as instituições educativas se pertencessem a mundos segmentados, com poucas se convertam em centros de criação, participação e interseções e ligações na prática. Porém, as perspetivas produção cultural, isto é, sejam integradas no sistema e as experiências incluídas nesta Monografia servem cultural da cidade, tal como os centros e programas para dar conta da existência de numerosos projetos e culturais (de museus, centros de arte, centros comunitários, reflexões realizados em colaboração ou que incidem espaços de criação, teatros, cinemas, auditórios, festivais, simultaneamente em ambas as dimensões. etc.). Esta mudança de olhar também implica que os As problemáticas que as cidades têm de enfrentar nos centros culturais desempenhem o seu papel enquanto nossos dias são complexas, e muitas vezes decorrem espaços educativos e sejam reconhecidos como tal, de desigualdades entre pessoas, grupos ou bairros. desenvolvendo uma função pedagógica não só dirigida às Algumas destas desigualdades estão relacionadas com as crianças e aos jovens em idade escolar, mas à população oportunidades de formação, mas também com a prática em geral, independentemente da idade e ao longo de toda cultural e artística e o acesso à vida cultural da cidade. a vida. Em vez da promoção de ações pontuais, o que Neste contexto, os ambientes familiares e territoriais são aqui se propõe é desencadear processos de colaboração determinantes para garantir a igualdade de oportunidades sustentáveis, baseados em contributos recíprocos entre no acesso à educação e à cultura ao longo da vida. instituições culturais e educativas. Esta colaboração Por outro lado, quando falamos de cultura não nos permitirá enfrentar com maior eficácia o desafio de chegar referimos exclusivamente ao acesso à mesma enquanto aos coletivos que tradicionalmente têm sido excluídos espetadores passivos, mas ao facto de todas as pessoas deste tipo de oportunidades. terem a oportunidade de desenvolverem o seu potencial Desejo que esta publicação vá ao encontro dos seus e de contribuírem para a vida cultural da cidade. Sentir- interesses e que provoque uma reflexão interna nas suas se participantes no desenvolvimento cultural da cidade cidades sobre a praxis e as metodologias de trabalho, fomenta, igualmente, a coesão social e a boa convivência. gerando novas ideias para promover alianças entre os Não existe um modelo único de intervenção relativamente agentes educativos e culturais. à conceção e à implementação destes programas, uma vez que as características e as necessidades ambientais ou Joan Subirats das comunidades com as quais se trabalha são diversas. Vice-Presidente da Câmara Municipal de Barcelona responsável Contudo, tanto a Presidência da Associação Internacional pelo Pelouro da Cultura, Educação e Ciência e Comunidade © Thomas Vilhelm Editorial Ae ducação e a cultura são duas áreas de interesse e desenvolver políticas e estratégias que combinem público que partilham muitos objetivos e valores, mas linguagem, objetivos e mecanismos de intervenção. Numa cuja implementação é canalizada, geralmente, através de ótica dos direitos humanos, a plena dignidade das pessoas instituições e mecanismos diversos. As ligações existentes requer a garantia da capacidade de exercer o direito à ficaram patentes em documentos internacionais como a educação e à participação na vida cultural, explorando Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento a sua interdependência. Isto implica trabalhar tanto na Sustentável, cujo objetivo 4.7 pretende promover uma educação formal, como na não formal, em ambientes educação que valorize a diversidade cultural e reconheça o propícios às artes e à cultura, e integrar a compreensão da contributo da cultura para o desenvolvimento sustentável. importância da criatividade, da diversidade, da memória e A importância de abordar esta relação num contexto do património enquanto elementos-chave da aprendizagem local é igualmente evidente no Roteiro para a Educação e da construção da pessoa. Artística adotado pela UNESCO em 2006, que destaca a Assim, a aposta na promoção desta Monografia dedicada necessidade de adequar a educação às características do à relação entre a cidade, a cultura e a educação nasce da meio envolvente e de promover estratégias educativas que convicção da AICE e da CGLU de que a vida nas cidades potenciem as iniciativas locais e trabalhem em rede com as será melhor se as políticas e os programas culturais e organizações culturais. educativos derem as mãos. De facto, já existem numerosas Desde os seus respetivos terrenos de incidência, a iniciativas que o demonstram e muito conhecimento Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE) e a acumulado a partir da reflexão, da investigação e da Comissão de Cultura da Cidades e Governos Locais Unidos prática que oferece orientações a seguir, estimulando (CGLU) promovem, igualmente, uma visão integrada da esta integração. Por conseguinte, e com a mesma educação e da cultura. É oportuno recordar que a Carta das estrutura que os anteriores números desta coleção, a Cidades Educadoras (1990, atualizada em 2004) determina presente Monografia reúne artigos de fundo, entrevistas que a cidade educadora promoverá a educação na e experiências, combinando contributos académicos, diversidade, combatendo qualquer forma de discriminação, institucionais e de organizações culturais e educativas de e acolherá tanto as iniciativas vanguardistas como as vários países e regiões. de cultura popular, independentemente da sua origem, O conjunto de artigos que abre a publicação pretende contribuindo, também, para corrigir as desigualdades contextualizar algumas das questões de fundo sobre a na promoção cultural. Por sua vez, a necessidade de relação entre cidade, cultura e educação, aprofundando criar as condições necessárias para a coordenação entre as suas distintas vertentes e os aspetos mais sensíveis. políticas culturais e educativas, estimulando a criatividade O professor catedrático Carlos Giménez Romero, da e a sensibilidade, está bem patente na Agenda 21 da Universidade Autónoma de Madrid, fá-lo através de uma Cultura (2004), documento pelo qual se rege a CGLU em “carta aos munícipes” que procura favorecer o diálogo e matéria cultural, e também nas Ações da Agenda 21 da centra a sua atenção em questões como a importância Cultura (2015), que complementa a primeira e dedica um do processo comunitário e participativo, o fomento da capítulo específico à relação entre a cultura e a educação, convivência, a mediação e a cultura da paz em ambientes relembrando o papel da educação, da aprendizagem e da marcados pela diversidade e os vínculos entre a ação formação contínua no exercício dos direitos culturais. local e as agendas internacionais. A seguir, Michael O aprofundamento da relação entre a cultura e a Wimmer, presidente do centro austríaco EDUCULT, analisa educação nas cidades passa por, entre outros: favorecer diversas abordagens à inclusão das artes e da cultura espaços de diálogo e de trabalho mais flexíveis e nas estratégias educativas e relembra várias iniciativas normativas que favoreçam colaborações; diversificar os internacionais e projetos locais e nacionais nesta área, programas de educação cultural, contemplando diversos refletindo sobre os desafios do presente, como o auge meios, faixas etárias, estéticas e linguagens; assegurar a do populismo e a transição climática, e sublinhando a compreensão, por parte dos agentes culturais, do seu papel importância da ação pública neste contexto. O papel educativo e da sua capacidade real de o desempenhar, educativo de instituições como museus, galerias ou oferecendo cursos de formação e acompanhamento em bibliotecas é o argumento central do artigo de Jenny Siung, caso de necessidade; abordar a questão dos obstáculos ao responsável pelo departamento de educação da Chester acesso quer à educação, quer à cultura, entre os quais os Beatty Library de Dublim. Apoiando-se em numerosos que afetam setores desfavorecidos e grupos minoritários; estudos e projetos para realçar o potencial existente na RA E EDUCAÇÃO CIDADE, CULTU MONOGRÁFICO educação ao longo da vida, no fomento da criatividade e permanente e o papel da conservação do património no diálogo intercultural, reflete, também, sobre os desafios cultural como elemento de continuidade e de coesão social atuais e dá pistas sobre o caminho a seguir para melhorar o no âmbito dos processos de transformação urbana e do estado das coisas. Esta secção termina com um contributo modelo económico. Uma das iniciativas mais inovadoras de Jordi Baltà Portolés, especialista da Comissão de Cultura dos últimos tempos é a nova Biblioteca Central Oodi de da CGLU, que analisa as dificuldades para uma melhor Helsínquia, um centro que renova a tradicional integração integração da educação e da cultura nas cidades. Apresenta da educação e da cultura nas bibliotecas, reforçando os uma breve tipologia de modelos e sugere alguns elementos seus vínculos com a promoção da cidadania ativa, a coesão transversais para favorecer a qualidade, como a diversidade social e a alfabetização digital, servindo, por sua vez, de de conteúdos e expressões, a pluralidade de agentes ou a núcleo central de uma rede de bibliotecas muito mais vasta. atenção à acessibilidade e à inclusão. Outro projeto reconhecido e exemplar é “EN RESIDENCIA”, Na secção dedicada às entrevistas, Catarina Vaz Pinto, uma iniciativa de Barcelona que leva artistas profissionais a vereadora da Cultura de Lisboa e copresidente da Comissão escolas do ensino secundário para acompanhar processos de Cultura da CGLU, salienta a importância de fortalecer criativos duradouros que favoreçam a aprendizagem, a a atenção concedida à cultura na construção de cidades experimentação, a colaboração entre jovens e os centros sustentáveis, e expõe o progressivo desenvolvimento, educativos e as organizações culturais, bem como a difusão em Lisboa, de um “ecossistema” de relações formais pública de um leque diversificado de estilos e estéticas. A e informais entre os agentes educativos e culturais. A cidade de Katowice apostou, há anos, na música como fator experiência desenvolvida neste âmbito em Bogotá reflete- de identidade e de desenvolvimento, passando a integrar a se na entrevista de Leonardo Garzón Ortiz, coordenador, Rede de Cidades Criativas da UNESCO em 2015; as políticas entre 2015 e 2019, do programa CREA do Instituto Distrital existentes neste âmbito também incorporam uma vertente das Artes (IDARTES), uma vasta iniciativa para crianças, educativa que se reflete, entre outros, em iniciativas de jovens e adultos que cria oportunidades para desenvolver acesso à educação musical, ao fomento da formação e a sensibilidade, a expressão simbólica e artística e o do desenvolvimento profissional das bandas musicais e pensamento criativo e que conta com o envolvimento de à exploração das intersecções com outras dimensões do artistas profissionais nas tarefas educativas. Outro caso desenvolvimento local. Por último, a Escola Livre de Artes exemplar é o do município quebequense de Vaudreuil- – Arena de Cultura é um bem sucedido programa de Belo Dorion, reconhecido em 2016 com o Prémio Internacional Horizonte, também reconhecido, em 2014, com o Prémio SGLU – Cidade do México – Cultura 21 pelo seu excelente Internacional CGLU – Cidade do México – Cultura 21 por trabalho em matéria de educação, cultura e coesão social, ter desenvolvido uma vasta oferta de educação artística num meio caracterizado pela diversidade das origens e das ao alcance da população em geral baseada nos princípios idades; o responsável do departamento de Cultura Michel e nos objetivos dos direitos humanos, da inclusão social, Vallée expõe, na sua entrevista, os objetivos, a metodologia da diversidade cultural, da educação ao longo da vida e da e os resultados de um processo consolidado ao longo transformação da cidade. dos anos. Por sua vez, Ernst Wagner, responsável pela Através desta publicação e da vasta coleção de Cátedra UNESCO sobre as artes e a cultura na educação perspetivas e de experiências reunidas, a AICE e a da Universidade Erlangen-Nuremberg (Alemanha), Comissão de Cultura da CGLU acreditam que estão a analisa, a partir de vários estudos internacionais, diversas contribuir para uma melhor compreensão das múltiplas abordagens e estratégias relativas à relação entre a intersecções entre a educação e a cultura e das fórmulas educação e a cultura, destacando o potencial da incidência concretas para que estas se possam refletir na prática. nas formas de vida, na abordagem da diversidade e nos Embora nem sempre seja fácil promover a colaboração vínculos com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável entre âmbitos institucionais e setores profissionais, (ODS), entre outros aspetos. esta Monografia demonstra que faz sentido promovê-la, As experiências incluídas na última secção da Monografia oferecendo exemplos de casos ilustrativos com o intuito de também correspondem a diversas abordagens e realidades. inspirar muitas iniciativas novas. A regeneração do antigo bairro Gunsan (Coreia do Sul), uma iniciativa recompensada com o Prémio Cidades Educadoras Comissão de Cultura da Cidades e Governos Locais Unidos e 2018, ilustra bem a importância das políticas de educação Associação Internacional de Cidades Educadoras 8 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 ipes sobre Carta aos muníc e Educação Cidade, Cultura a de s Giménez Romero Autónom rlo ial e aplicada. Universidade da paz e da Ca ico de Antropologia soc emocracia e cultura át Professor catedr uto dos direitos humanos, d it adrid (UAM). Diretor do Inst M SPAZ) não violência (DEMO Parque de la Amistad, Montevideu 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 9 ARTIGO Este texto, apresentado como uma carta aberta e pública, é uma reflexão sobre os desafios municipais e locais relativos aos crescentes processos de diversificação sociocultural e a sua relação com as ações educativas. Uma vez formuladas as questões principais, seguem-se cinco passos: abordagem concetual, política e ética; aprofundamento do triângulo cidade/cultura/educação; exploração das ligações entre elas; algumas respostas às questões colocadas e, finalmente, sugestões e propostas. Introdução isto contribui para a educação? E, finalmente, qual é o papel Quando me convidaram, amavelmente, para participar específico dos governos locais? Antes de responder a todas nesta Monografia, disseram-me que “seria especialmente estas questões, proponho dar, primeiro, três passos: relevante se pudesse contribuir com uma reflexão 1. Comecemos, a modo de primeiro passo, por explicitar sobre o papel dos governos locais enquanto agentes de de que olhar, de que abordagem partimos em relação intervenção, de inclusão e de educação na promoção às realidades urbanas, culturais e educativas tratadas de todos os seus habitantes”. Como, por outro lado, não nesta Monografia. Proponho que o façamos desde três queria escrever um texto teórico e carregado de notas, categorias relacionadas entre si: Convivência, Cidadania e decidi fazê-lo em forma de carta, de missiva dirigida aos Interculturalidade. governos locais e, mais concretamente, aos munícipes, Convenhamos que a Convivência é, desde muitos pontos tanto aos dirigentes e representantes públicos, como às/ de vista, absolutamente central para a nossa temática. aos profissionais, funcionárias/os ou pessoal contratado Assim, permitir-me-ão que vos fale da absoluta necessidade em regime de funções públicas que desenvolve o seu de que as/os dirigentes, as/os funcionárias/os e o pessoal trabalho nas câmaras municipais. Este formato de artigo em funções públicas dos municípios disponham de uma não “clássico” ajudou-me a dar-lhe uma configuração mais noção tão exigente quanto operativa de convivência. Há próxima e dialogada. Embora tenha esse formato, talvez anos, e após vários projetos desenvolvidos, especialmente possa interessar, também, a todos aqueles que, desde a desde o Projeto de Intervenção Comunitária Intercultural1, sociedade civil local, promovem projetos comunitários. que temos vindo a propor e a desenvolver um modelo teórico e prático de três modalidades de sociabilidade: Caras/os munícipes: convivência, coexistência e hostilidade. Foram chamados a enfrentar, desde as competências e Se ainda não o conhecem, sugiro que consultem os textos recursos locais, os muito diversos desafios do município disponíveis sobre o mesmo2. Aqui só posso indicar que e da vida local. Estamos conscientes do lugar estratégico esse modelo pode servir de orientação em duas coisas ocupado pelo que é local na criação, promoção e ampliação importantes: é prioritário superar as hostilidades de todo da convivência e da coesão social. Conhecem bem, e em o tipo que sem dúvida há na urbe (marginalização, guetos, primeira mão, a vossa localidade e as suas particularidades, violência direta, estrutural e ideológica…) e, em segundo bem como a rede complexa da administração local. lugar, não basta a mera coexistência na vossa cidade (cada Certamente, muito melhor do que este que vos escreve. qual vive no seu próprio mundo, mesmo que a hostilidade Porém, atrevo-me a escrever aproveitando o convite seja praticamente inexistente, simplificando a questão) para participar nesta nova Monografia da Associação pois, mesmo nos casos em que a coexistência é positiva Internacional das Cidades Educadoras, coordenado pela (pelo menos, é melhor que a hostilidade), não é, de todo, Comissão de Cultura de Cidades e Governos Locais Unidos suficiente. Como já disse noutras ocasiões, a coexistência (CGLU). E faço-o por dois motivos: por um lado, pela é pão para hoje e fome para amanhã. Ou, também: se a relevância da matéria tratada neste volume e, por outro, coexistência é uma pradaria seca e, por conseguinte, fácil por me sentir comprometido e motivado para partilhar de incendiar por piromaníacos políticos ou mediáticos, a estudos e experiências após anos a trabalhar nesta matéria convivência, pelo contrário, é uma horta fértil e húmida ao lado dos agentes locais. onde isso é muito mais difícil. Gostaria de contextualizar, em primeiro lugar, a minha reflexão. Devemos centrar-nos no que fazer e, também, em como sistematizar, avaliar e melhorar o que estamos a 1. Promovido desde 2010 pela Obra Social la Caixa e no qual participam mais fazer. Dadas as limitações de espaço de que dispomos, sugiro de trinta municípios e entidades. abordar três questões: como enfrentar, de modo adequado, 2. AA.VV. (2015) Juntos por la Convivencia. Claves del Proyecto de a diversidade nas cidades e nos municípios? De que maneira Intervención Comunitaria Intercultural. Obra Social La Caixa, Universidade Autónoma de Madrid. Parque de la Amistad, Montevideu 10 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Buntkicktgut: Liga intercultural de futebol, Munique O termo, a categoria ideal de Cidadania, é fundamental não se apresentem somente como forasteiras/os, mas como para a sociedade democrática no seu conjunto; reveste- novas/os vizinhas/os. se, por outro lado, de características próprias quando Porém, garantir os direitos e exigir pública e o relacionamos com a cidade e o que é urbano. Como democraticamente responsabilidades requer, e este é esta carta tem de ser breve, irei diretamente para a sua o terceiro vetor da questão da cidadania, instituições aplicação ao que é urbano3. A Cidadania remete para públicas, legítimas e legitimadas. E aqui, nas instituições quatro aspetos interrelacionados da cidade e do município. democráticas, o papel da corporação municipal e das/ Primeiro, e como sabem perfeitamente, remete para uma os funcionárias/os e servidores públicos é absolutamente série de direitos e obrigações. São corolários práticos, para crucial. Desde logo, junto das outras administrações, a ação institucional, potenciar a abordagem dos direitos mas, como dizíamos no início, dada a sua proximidade e a e pensar as políticas e os programas municipais desde a sua localização estratégica em relação à quotidianidade ética da corresponsabilidade de todos os agentes da cidade. e à coesão social, a instituição municipal desempenha Quanto ao primeiro, pode ser levado a cabo submetendo um papel decisivo – para o bem e/ou para o mal – na sua toda a ação municipal à perspetiva e ao compromisso dos proximidade, honestidade, transparência e eficácia. Direitos Humanos4, bem como dando a máxima relevância à Finalmente, o quarto elemento: a ideia e a praxis da vizinhança como cidadania social, cívica ou de residência. Cidadania democrática implicam, como conditio sine qua A Cidadania – e a aposta cidadã – implica, também, non, a participação. Cingindo-nos ao tema que aqui nos pertença, ser-se membro da comunidade sociopolítica ocupa, isto implica, por um lado, a participação real na vida onde se exercem esses direitos e se cumprem essas municipal e local de todas as expressões etno-culturais obrigações. Isto leva-nos a enfatizar a identificação e a locais, isto é, das minorias autóctones (povo cigano…) ou pertença em relação ao que é local, comum; e, também, a alóctones (pessoas e grupos de origem estrangeiro), das tratar de modo acolhedor as pessoas imigrantes assentes comunidades etnorreligiosas e das subculturas de género, na localidade como moradoras/es apoiando-as/os para que idade, diversidade funcional, etc. E implica, por outro lado, levar até às escolas do município experiências educativas em metodologias de participação, e não só dentro da escola, mas também no seu meio envolvente. 3. Pode consultar-se BUADES, J. e Giménez, C. (dir.) (2013) Hagamos de A convivência requer, por conseguinte, cidadania mas nuestro barrio un lugar habitable. Manual de intervención comunitaria en também uma boa abordagem intercultural. Não basta, barrios, Valência, CEIMIGRA/IMEDES/ Generalitat Valenciana. de todo, fazer declarações enaltecendo a riqueza da 4. Foi o que se fez no município e na cidade de Madrid durante o mandato da presidente da Câmara Manuela Carmena (Plano Estratégico, Oficina diversidade, organizar festas interculturais, o respeito Municipal e Fórum participativo dos Direitos Humanos…). passivo por aqueles que são vistos como diferentes, etc. 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 11 Hotel Pasteur, Rennes Tudo isto é bem-vindo, mas é preciso ir ao encontro de uma e autores locais, os museus, etc. Desde a antropologia abordagem intercultural profunda, sociopolítica e ética, social, distinguiremos a Cultura das culturas, ou seja, esse relacionando-a, a nível municipal, com a democracia local dispositivo adaptativo e cambiante – presente em todas e participativa e com os valores comuns de dignidade e as sociedades de todas as épocas e lugares, havendo não discriminação. Uma abordagem intercultural que não no género humano milhares de formas de exprimir apenas respeite, mas valorize e aproveite a diversidade pensamentos, sentimentos e ações: é enorme a diversidade local para potenciar e melhorar os planos, programas sociocultural da espécie humana. Lévi-Strauss sintetizou e projetos municipais, coletivos, para todas e todos. E esta ideia com a expressão “caráter dual da espécie tudo isto enfatizando o que é comum: o desenvolvimento humana”: apenas uma, mas com múltiplas expressões, em humano, a qualidade de vida, os direitos, a democracia… suma, unidade e diversidade. 2. Partindo desse quadro concetual, político e ético, Se as cidades são territórios, espaços e lugares entremos agora no cerne deste volume monográfico multifuncionais, e as culturas são bagagens diferenciadas e procedamos, a modo de segundo passo, à definição de formas de pensar, sentir e agir, a “educação” é, entre das categorias, pelo menos de modo sucinto. Cidades/ muitas outras coisas, um âmbito e uma instituição da Cultura/Educação, um triângulo cujos vértices são vida social, bem como uma via, talvez a mais relevante, altamente significativos tanto vistos individualmente, de enculturação e socialização das pessoas e para a como relacionados entre si. As “cidades” são lugares vida regida pelo respeito comum. Isto desde a educação habitados há muito tempo que concentram uma infinidade formal e da informal, e, a propósito, desde modalidades de de atividades, espaços, processos, funções e serviços, e pedagogia muito diferentes. que distinguimos das aldeias, dentro da lógica do binómio 3. Pois bem, agora, como terceiro passo prévio à introdução urbano/rural, tão importante como indefinido. Quando da questão principal relativa ao que fazer e como melhorar, as qualificamos como lugares estamos a assumir – convido-vos a pensar ou repensar, embora sucintamente, contrapondo-as aos “não-lugares” (Marc Augé) – que são sobre as relações entre essas três realidades, tentando âmbitos com história, identidade e relações. identificar alguns desafios e possíveis praxis. Quanto à “cultura”, há que distinguir duas grandes No que diz respeito à cidade e à cultura, podemos centrar- aceções: uma que podemos chamar institucional e outra nos nas questões que se seguem. Pela sua natureza, antropológica. A primeira remete para o Ministério, as como espaço que se desenvolveu com uma determinada secretarias e as entidades culturais, ou seja, para as história, todas as cidades são a consequência de migrações políticas e instituições culturais e, por conseguinte, para sucessivas. E isto implica já, necessariamente, uma todo esse âmbito tão crucial para os municípios e a vida diversidade sociocultural e distinções entre os nascidos local que é o património histórico e cultural, as artes nas cidades e os estrangeiros, entre os que vivem nelas 12 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 “desde sempre” e os recém-instalados, entre a geração Até agora, contemplámos a relação cidade/cultura desde imigrada e os seus filhos já nascidos e criados no ambiente a diversidade cultural, mas tal deve ser completado com a do município e do lugar, entre os migrantes “internos” e os “cultura pública comum”. A relação entre cidade e cultura internacionais, etc. Surge aqui, como dissemos, a relevância não remete apenas para a diversidade, mas também de se trabalhar na pertença comum à cidade. para a unidade, para semelhanças e convergências, para Porém, antes de prosseguir sugiro que pensem em que o que se partilha: a história, as tradições, os símbolos, esse não é o único fator de diversificação sociocultural da os festivais, os costumes comuns, etc. Com efeito, os vossa cidade. Há outro fator de diversificação tão complexo habitantes identificam-se com a cidade, em maior ou e variado como o anterior: refiro-me à geração, no próprio menor grau e de uma maneira ou outra; sentem-se parte processo de vida e trajetória dinâmica da urbe, de estilos da cidade, do distrito ou do bairro. Já não estamos a de vida e subculturas de classes, de bairros, de género, falar de cultura no sentido étnico ou das subculturas de idade, etc. Daqui infere-se outro corolário prático anteriormente mencionadas: referimo-nos ao que é importante: enquanto munícipes, sugiro-vos que abordem partilhado, tanto no seu todo social – sentimento de – no caso de não o terem feito já – toda a diversidade. Isto pertença e afeto pela cidade em que se nasce e/ou se é, não reduzam a diversidade a uma questão relativa às/aos vive -, como em parte – o bairro próximo onde se circula, imigrantes internacionais, incluam, também, a decorrente amanhece e dorme, onde se compra e trabalha, do qual das migrações nacionais ou “domésticas”. Mas isso também se é utente, onde se levam as/os filha/os à escola, etc. é insuficiente! Contemplem, também, na ação do governo e É lá que se partilha uma cultura comum, neste caso de nas políticas locais, a diversidade endógena, a etnogénese bairro, refletida numa história, num ambiente, em certas decorrente da própria criatividade e da trajetória da vossa festividades e rituais… cidade, desde a história partilhada – incluídas as suas A relação cidade/cultura conduziu-nos a toda a lendas e mitos – até às culturas e identidades de bairro diversidade e à cultura pública partilhada. Passando e as subculturas de classe, género, idade ou diversidade agora à relação entre cidade e educação, serei ainda funcional. mais breve, uma vez que a Rede de Cidades Educadoras Parque de la Amistad, Montevideu 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 13 há décadas que a aborda e de forma admirável. Por isso, não me referirei ao ponto central trabalhado pela Associação Internacional no sentido em que cada uma das nossas cidades, nas suas políticas e atividades, pode e deve desempenhar uma função educativa. Isto é crucial e magnífico, mas nesta carta que vos dirijo gostava de falar de dois pontos complementares relativos a como abordar os desafios presentes. O primeiro prende-se com a educação cívica, distinguindo, pelo menos, dois grandes aspetos. Por um lado, o civismo, ou seja, a educação cívica como algo de que se dispõe ou não. Por outras palavras, como o grau e a maneira como as pessoas se comportam na sua cidade ou bairro de forma tolerante em relação aos outros, como respeitam os espaços, as normas urbanas e as instituições públicas. Isto não as exime, pelo contrário, de terem uma atitude exigente, crítica e, se for o caso, de reivindicação e protesto pacífico ou não violento. Por outro lado, a educação cívica é mais uma via e modalidade de educação, que complementa outras linhas pedagógicas que se têm vindo a desenvolver, como a educação para a paz, para o desenvolvimento ou para a justiça social. Trata-se, neste segundo caso, da educação da/o cidadã ou cidadão, da/o vizinha/o como tais, isto é, como sujeitos ativos, conscientes dos seus direitos e obrigações enquanto membros dessa “comunidade de comunidades” que é, devia ou podia ser a sua cidade. E decerto concordaremos em que essa educação para a cidadania requer a partilha de determinados valores éticos – pluralismo, respeito, hospitalidade, coragem cívica -, que El Obrador, oficina de empreendimentos culturais produtivos, Rosario remetem de novo para a relação de cada cidade com o (fotografia superior) estado de direito e a democracia. Ciudadanos como Vos, Medellín (fotografia inferior) Além da educação cívica, gostaria de mencionar outro ponto essencial na relação entre a cidade e a educação: refiro-me à educação escolar. A escola pode e deve 4. E, agora, uma vez explicada a abordagem, definidos os ser tanto um espaço de convivência, como um agente termos e estabelecidas as ligações entre eles, chegou o fundamental para a convivência no meio urbano e momento de dar o quarto passo, que consiste em regressar territorial. É certo que os municípios nem sempre dispõem às três questões que propus no início. de competências em educação formal. No entanto, desde Em primeiro lugar, perguntávamo-nos como abordar as competências municipais, e sempre desde um trabalho adequadamente a diversidade nas cidades e nos cooperativo com outras administrações e entidades municípios. Todos nós, e as nossas cidades e os seus sociais, fiquem sabendo que é possível fazer bastante respetivos residentes, enfrentamos este desafio tanto relativamente às duas linhas que sugeri. quando as demais cidades e povos do mundo. Esse “Para dentro”, potenciando cada escola como espaço “adequadamente” pode ser concretizado se convertermos de convivência – e não de mera coexistência -, criando em necessidade e em objetivo uma gestão democrática, espaços de relação e diálogo entre pais e mães de origens participativa, pacífica e eficaz. Isto requer, por um lado, diferentes, fomentando a mediação escolar entre pares a promoção de políticas locais de igualdade e de justiça ou iguais… E “para fora”, desempenhando um papel social para lidar com a polarização socioeconómica, ativo na coesão do meio envolvente, incorporando-se pois, nela, a coesão não existe; e, por outro lado, implica nos processos comunitários e participativos do bairro ou valorizar a diversidade existente, mas sem exagerar as meio, estabelecendo ambientes colaborativos entre todos diferenças, criando projetos coletivos e centrando-se os centros escolares, levando a cabo “comunidades de nos papéis comuns desempenhados pelas/os residentes, aprendizagem e serviço” que vinculem as/os estudantes moradoras e moradores, cidadãs e cidadãos, mães e pais, com outras instituições do território, etc. pacientes, etc. 14 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Outra questão que colocámos no início prendia-se com a maneira como a educação pode contribuir para a concretização dessa agenda. O que aqui foi exposto anteriormente não parece possível de levar a cabo sem uma aposta totalmente decidida, “fraturante”, na educação: isto exige, como bem sabem, concordância e cooperação com outros níveis de governo, bem como programas e recursos. Tanto a educação formal como a informal, a de adultos e a de estudantes em idade escolar, podem dotar a população local de conhecimentos, competências, atitudes e valores implicados na convivência intercultural entre os cidadãos. Conhecimento partilhado e público da história da cidade, do seu património de paz, dos direitos das cidadãs e dos cidadãos, as responsabilidades de cada um de nós. “Endoformação” para aprofundar e praticar competências cívicas e competências interculturais relacionadas com a capacidade de ouvir, de dialogar, de negociar, de tomar decisões, de formular propostas devidamente fundamentadas. E, sobretudo, espaços educativos para a superação de receios, medos e preconceitos, promovendo atitudes e valores de inclusão, respeito, interesse pelo outro e hospitalidade. Finalmente, a nossa terceira questão, que diz respeito ao papel específico dos governos locais. Sugiro que deem a volta a dois componentes essenciais ao papel próprio da governabilidade local. Por um lado, deve-se situar a convivência no coração da agenda local, não apenas como uma parte da política social, e menos ainda reduzindo-a a “um assunto para os serviços sociais” (por muito importantes que estes sejam), como como derradeiro fim e objetivo da vida económica, social, institucional e democrática da cidade. Nem mais, nem menos. E, Buntkicktgut: Liga intercultural de futebol de rua, Munique. © Samir Sakkal em segundo lugar, deve-se assumir o papel central do processo comunitário participativo, mediante o qual os agentes locais (responsáveis públicos, entidades sociais, aberto com uma administração partilhada. Não há profissionais e técnicas/os, empresárias/os e comerciantes, espaço, nesta carta, para desenvolver minimamente meios de comunicação) se corresponsabilizam pelo seu estas tendências do novo municipalismo democrático local e por que, neste território, social e ecologicamente e operativo. Apenas direi que é necessário socializar responsável, impere o bem comum e, se me permitem, os as políticas públicas locais que, sendo competências bens comuns. municipais, só terão bons resultados graças à participação 5. Com estes “ingredientes” – convivência no centro da dos seus protagonistas e destinatários. E como fazê-lo? agenda municipal; cidadania e interculturalismo como Incorporando no ciclo das referidas políticas a sociedade “cimento”; assunção tanto de toda a diversidade existente civil, a cidadania organizada e geral; isto é, tanto na sua na cidade, como da cultura pública comum; relação entre identificação e localização na agenda municipal, como na civismo, educação para a cidadania e escola aberta…. sua conceção, execução, acompanhamento e avaliação. sugiro, a seguir, algumas propostas sobre o que fazer. Se isto é um princípio de validade geral, sem dúvida é um Oxalá vos pareçam úteis para a reflexão e o debate, para verdadeiro imperativo quando se trabalha e coopera num inspirar linhas de ação e para sistematizar ou avaliar o que contexto urbano e nas áreas da cultura e da educação. já estão a fazer. • Para dotar de sentido e significado todas as ações • Partindo, uma vez mais, do geral para o particular, a municipais nesta matéria, bem como trabalho e o esforço minha primeira sugestão para a reflexão e a ação seria dos responsáveis e profissionais municipais, devíamos enquadrar e potenciar as políticas municipais culturais relacionar o que se faz a nível municipal e local com a e educativas num, e desde um, quadro de um governo agenda internacional. Além dos trabalhos que estão a 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 15 Buntkicktgut: Liga intercultural de futebol de rua, Munique. © Samir Sakkal ser desenvolvidos pelas Nações Unidas em prol do direito a mediação comunitária (desde uma abordagem à cidade de todas e todos, são especialmente relevantes, intercultural ou de género, quando necessário); a neste sentido, a Agenda 2030 e os Objetivos de mediação escolar (ou entre pares) e a mediação Desenvolvimento Sustentável. Todos eles são inspiradores institucional ou organizacional (para abordar tensões e ajudam a dar sentido às políticas e ações locais. Porém, internas na administração, como entre corporações e destaco o ODS 11 (cidades inclusivas, seguras, etc.), o entidades). 16 (sociedades pacíficas, acesso à justiça e instituições Espero que esta carta tenha ido ao encontro dos vossos eficazes, etc.) e o 17 (necessidade de novas alianças). Mas interesses. Em todo o caso, muitíssimo obrigado pela sei que já os conhecem bem: limito-me a destacar a sua vossa atenção e por a terem lido, e peço que me perdoem utilidade para dotar de sentido e esperança, e ainda para se, devido às limitações de espaço, não aprofundei algum mais internacional, ao que se faz todos os dias. aspeto e não me referi a mais experiências concretas. • Uma vez que os esforços por relacionar adequadamente Garanto que foi a partir delas, e da copiosa bibliografia a cidade, as culturas e as ações educativas não estão existente sobre a matéria, que vos escrevi. Deixo aos isentos de dificuldades, obstáculos, tensões e conflitos, editores o meu endereço, no caso de me quererem fazer convém conceder a máxima relevância à mediação e à chegar comentários ou dar seguimento a esta carta. cultura de paz nas declarações, políticas, protocolos e E, sobretudo, quero desejar-vos muita sorte e sucesso recursos do município, fomentando, entre outras, três no importante trabalho de responsabilidade e gestão modalidades de ação e de metodologia mediadora: municipal. 16 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 educação. Artes e cultura na ra de uma nova terra À procu de cooperação r ltural, Viena, Áustria Cu Michael Wimme tão a Cultural e Ges DUCULT, Instituto de Polític Diretor da E Worksounds: projeto EDUCULT, no qual alunos de escolas profissionais compõem a sua própria música. 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 17 ARTIGO Olhando para a história, podemos constatar a evidência de que as artes sempre influenciaram intensamente a vida social. O Românico, o Gótico, o Renascimento ou o Romantismo... todos os períodos históricos estão mais ligados aos desenvolvimentos no terreno das artes, que a outras realizações sociais. Ainda nos nossos dias, conceitos como os de “modernidade” e as suas rejeições “pós- modernas” estão conotados com as formas de expressão artísticas mais recentes. Nesta perspetiva, não é despropositado concluir que o mundo só pode ser entendido através dos artefactos, mesmo que não tenhamos consciência deles no nosso quotidiano. Os diretores das boas escolas sabem disso. Tudo o que à “educação progressista” terem tentado, durante mais de pensamos acerca do que possa ser uma boa escola cem anos, expandir o currículo escolar para fazer das artes passa pela criação das condições necessárias para o um elemento central, os pilares dos sistemas nacionais de encontro com as artes, seja a música, as artes plásticas, ensino encontraram sempre estratégias institucionais para a escultura, a literatura, o teatro ou a dança. Não existe esquivar esse desafio. desenvolvimento pessoal integral dos jovens que não Muito já foi dito acerca dos intensos processos de tenha em conta as artes – e também a atividade física ou o transformação a que assistimos atualmente nas desporto, evidentemente. Uma boa política educativa deve sociedades europeias. O que podemos afirmar de forma pautar-se por um princípio básico: uma vez que as artes categórica é que a era industrial está a acabar. Uma das possuem um estatuto social tão forte, estas devem estar consequências deste facto é o surgimento de um novo representadas no núcleo do currículo escolar. e crescente setor cultural e artístico, nomeadamente Contrariando esta verdade implícita, existem muitas nas cidades que gerem a singularidade do seu perfil e, escolas nas quais as artes não desempenham um papel em última análise, a sua capacidade de atração. Dados minimamente significativo. Diria mais: em toda a Europa fiáveis mostram-nos, também, que cerca de 4% da mão- há ainda um grande número de cidadãos que ignora o de-obra europeia encontra as suas formas de realização significado das artes e que assume não ser capaz de profissional neste setor. Isso significa que está à frente, por as compreender, não revelando o mínimo interesse em exemplo, das indústrias automobilística ou química. A outra mudar tal atitude. Dentro deste estereótipo, lidar com as consequência é menos satisfatória: os sistemas educativos artes seria uma espécie de fantasia com que as pessoas nacionais ainda não encontraram uma resposta adequada privilegiadas se entretêm nos seus momentos de lazer, algo para estes desafios. Esta incapacidade de adaptação às que nada tem a ver com os constrangimentos das pessoas novas circunstâncias diminui a capacidade dos jovens para comuns e com os seus esforços para tentar viver o melhor aproveitarem o seu potencial e, desse modo, encontrarem possível as suas vidas em tempos cada vez mais incertos. o seu lugar nas sociedades europeias produtivas e mais Ao mesmo tempo que os códigos estéticos foram desenvolvidas. chegando até aos lugares mais recônditos das nossas Trata-se de uma decisão que depende dos representantes vidas, o que se observa é uma evidente e considerável políticos. O ex-presidente da Alemanha, Richard von discrepância entre a influência efetiva das artes em Weizäcker, resumiu a situação ao defender que “a arte e todas as camadas sociais e a ignorância dessa mesma a cultura não são um luxo que se possa pagar ou deixar realidade em boa parte da Europa. Essa divergência de pagar, mas o terreno espiritual que assegura a nossa pode ser vista como o resultado tardio de um sistema verdadeira capacidade de sobrevivência interior”. Nesse industrial dependente de competências e capacidades sentido, o presente texto abordará as possibilidades e muito específicas. Com a sua implementação extensiva, limitações da cooperação entre os setores da educação e o sistema de ensino teve de reduzir a sua capacidade de da cultura nesta nova era para a qual ainda não dispomos intervenção a um corpus de saberes objetivos, enquanto as de um termo associado às artes. artes, como formas de expressão das emoções subjetivas, Para tal, não precisamos de partir do zero. Em todas as foram relegadas – e, por vezes, nem sequer isso – ao espaço cidades europeias contamos já com uma longa tradição de doméstico privado dos alunos, fora das escolas. Essa integração das artes e da cultura na gestão educativa para conceção rígida do que é e do que deve ser a educação melhorar o acesso à cultura dos jovens — e de coletivos parece ter permanecido praticamente inabalável desde o excluídos — ou para fomentar a sua criatividade. Porém, século XIX. Apesar de os movimentos pedagógicos ligados na maioria dos casos esta questão continua a ser tratada 18 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 como se fosse secundária, surgindo apenas quando as sistemas escolares nacionais da Europa, podemos constatar “coisas realmente importantes” estão arrumadas. que já existem algumas, principalmente no que diz respeito Aqueles que pressionam para que as artes sejam incluídas à música e às artes visuais; no entanto, a maioria das artes como elemento imprescindível de qualquer modalidade ficou-se nas margens dos currículos7. Em comparação com de ensino podem basear-se em diversos documentos as chamadas “disciplinas difíceis”, o seu estatuto é baixo e, internacionais, incluindo a Convenção sobre os Direitos da quando se trata de certificação, dá a sensação de que são Criança1, de 1989, onde se afirma claramente o direito de dispensáveis. todas as crianças a terem acesso a um leque alargado de Verifica-se, por outro lado, um forte impacto social. formas de expressão artística e, por conseguinte, o dever Os alunos das famílias abastadas inscritos nas escolas de as escolas promoverem o desenvolvimento das “artes de artes articuladas ou independentes dispõem de mais e de outros assuntos culturais”. Além disso, o Roteiro da oportunidades de contato com as artes que os alunos de UNESCO para a Educação Artística 20062, juntamente meios socialmente desfavorecidos, que frequentam escolas com a Agenda de Seul da UNESCO 20103, podem ser onde as artes não desempenham qualquer papel. As suas considerados um claro convite para fazer uso das artes consequências negativas podem ser observadas quando como “componente fundamental e sustentável para uma comparamos as modestas carreiras profissionais destes reforma de excelência da educação”. Afinal, até a União últimos. Mas não só. Também se reflete na utilização das Europeia, com a sua tendência fortemente economicista, instituições dedicadas às artes: o público que a elas assiste, acabou por incluir a “consciência e expressão culturais” e apesar de todos os esforços em política cultural dos como uma das competências-chave na sua Recomendação últimos 50 anos (“Cultura para todos”), é um claro reflexo do Conselho para a Aprendizagem ao Longo da Vida 20064. da desigualdade social generalizada. Se observarmos os discursos atuais sobre ensino Experiências nacionais artístico, deparamo-nos, pelo menos, com duas estratégias Embora esses documentos resultantes de acordos para melhorar o estatuto das artes nas escolas. A mais internacionais não tenham encontrado, em muitas tradicional aceita a divisão académica em diferentes ocasiões, formas adequadas para a sua implementação a disciplinas, mas pugna pelo aumento do número de nível nacional, regional ou local, já existiam infraestruturas disciplinas relacionadas com as artes. O resultado é uma desenvolvidas especificamente para a educação competição crescente entre diferentes disciplinas: mais artística e cultural quer nos sistemas educativos, quer aulas de música, mais aulas de artes plásticas, ainda mais em contextos de ensino não formal. Prova disso são as aulas de teatro, independentemente da situação das redes informais de colaboração, como a ACE (Adult & outras disciplinas. Como a política educativa na maioria Community Education Network)5. Nesta comunidade, os dos países europeus não tem capacidade para fazer as responsáveis das administrações nacionais da educação, vezes de árbitro neste jogo entre diferentes interesses, bem como os do setor cultural, trocam experiências com a “autonomização” tem sido a resposta oficial mais fácil: frequência, permitindo que os representantes “de ambas deve ficar ao critério das escolas quais as disciplinas que as partes” entrem em contato pela primeira vez. A rede deverão ser consideradas prioritárias e quais podem ser ENO (European Network of Observatories in the Field of reduzidas ou, pura e simplesmente, ignoradas. Não é Arts and Cultural Education)6 é outra plataforma na qual necessário ter muita imaginação para adivinhar que as os investigadores em educação artística tentam apurar as disciplinas ligadas às artes acabam por ser as grandes evidências empíricas relativas a todo o tipo de educação perdedoras deste jogo. artística e cultural que possam ser relevantes para os Na outra estratégia, um pouco mais justa, os seus processos de tomada de decisões. representantes contestam a existência de um currículo tradicional com separação rígida entre as áreas, sugerindo Artes e educação cultural na escola abordagens alternativas mais interdisciplinares. Desse Se olharmos um pouco mais de perto para o tipo e o modo, as artes poderiam livrar-se do seu estatuto de alcance das disposições relativas ao ensino artístico nos mero e desagradável apêndice escolar feito de materiais preciosos e procurar o seu lugar na cooperação com parceiros de outras áreas disciplinares. Os defensores desta 1. http://artsineducation.ie/wp-content/uploads/Childrens-Right-to-Culture.pdf. estratégia podem aprender com os esforços da educação 2. http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/CLT/CLT/pdf/ Arts_Edu_RoadMap_en.pdf. 3. http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/CLT/CLT/pdf/ Seoul_Agenda_EN.pdf. 7. Há uma série de publicações da UE no âmbito do programa Eurydice “Arts 4. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32018H and Cultural Education at School in Europe,” cuja última edição, datada de 0604(01)&rid=7. 2012, pode ser consultada em: https://publications.europa.eu/en/publication- 5. http://www.aceneteurope.net/. detail/-/publication/4cc49f74-205e-4785-89e4-6490fb589d62/language- 6. https://www.eno-net.eu/. en/format-PDF. 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 19 progressista que, há mais de cem anos, têm vindo a pôr em causa que essa estrita divisão do mundo em dez ou doze disciplinas seja uma solução apropriada para se adaptar à complexidade do mundo tal como ele é hoje. Nesse sentido, o sistema educativo finlandês é pioneiro: eliminou recentemente o esquema de disciplinas isoladas e substituiu-o por tópicos ou temas interdisciplinares8. Com estas ideias em mente, pelo menos nalgumas regiões da Alemanha foram postas em prática as chamadas Kulturschulen9 (escolas com perfil cultural), onde, como resposta à reivindicação de uma “boa escola”, as artes deixam de ser periféricas, exclusivas de uma ou outra disciplina, e permeiam, com abordagens temáticas complexas, todo o processo de ensino e de aprendizagem. O quotidiano escolar é organizado a partir de projetos em vez de aulas, sobrepondo-se à divisão em tempos letivos estritos, uma compartimentação que parece cada vez menos adequada. As artes vão tornar-se uma das principais forças do atual desenvolvimento escolar. Neste novo tipo de escola, o ensino das artes põe de manifesto diferenças essenciais relativamente à abordagem das outras disciplinas, marcando o caminho para uma questão crucial da educação contemporânea no que diz respeito à cooperação, tanto dentro das escolas, ao tornar o professor mais um membro da equipa, como relativamente à cooperação externa. À medida que se abrem como centros de aprendizagem, as escolas mobilizam não apenas recursos internos, como também se servem das instituições e das iniciativas existentes no meio em que estão inseridas. Existem já muitos exemplos de sucesso dessa cooperação entre professores e artistas ou entre escolas e instituições artísticas que permitem aos alunos encontrar novas áreas de experiência. Muitos exemplos mostram que essas novas abordagens Aktionstag Sonnwendviertel: projeto de arte comunitária em ambiente do ensino e da aprendizagem podem encontrar resistência urbano que reuniu jovens cidadãos e artistas com o objetivo de juntar não apenas por parte dos professores — que foram idosos e jovens da comunidade. cuidadosamente treinados para se tornarem solistas nas suas áreas de especialização —, como também dos alunos e dos pais. “Quando é que podemos voltar a aprender?” que os alunos envolvidos em ambientes de aprendizagem Foi uma das perguntas que um aluno colocou depois de ter esteticamente ricos encontram novas oportunidades para participado num projeto artístico em que cooperaram uma descobrir potenciais que teriam ficado ocultos nas escolas escola e um teatro. Trata-se apenas de um indício de que a tradicionais. E, de repente, surge um novo tipo de aluno escolaridade baseada nas artes pode implicar o abandono que não só está preparado para incorporar conhecimentos de algumas ideias muito apreciadas relativamente à outrora desvalorizados, como também para aprender “aprendizagem”, cujas experiências duradouras estão voluntariamente e fazer uso das capacidades adquiridas no ligadas a restrições, exames e, com demasiada frequência, seu dia a dia: a confiança e a curiosidade como base para a ao tédio. Estes exemplos destinados a crianças mostram ação e o pensamento criativos. Educação artística e cultural em contextos não formais e informais 8. https://www.independent.co.uk/news/world/europe/finland-schools- Para além da oferta tradicional — e ameaçada — da subjects-are-out-and-topics-are-in-as-country-reforms-its-education- system-10123911.html. educação artística no sistema escolar formal, existe 9. https://kultur.bildung.hessen.de/kulturelle_praxis/kulturschule_hessen/. também uma infraestrutura de atividades não formais 20 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 relacionadas com as artes: escolas de música públicas ambiente de aprendizagem para outro sem se aperceberem e privadas, coros e grupos amadores, escolas de arte, do diferente caráter institucional de cada uma delas. bibliotecas, iniciativas de teatro ou dança. Na maioria O outro desafio reside na incrível expansão dos setores do dos países europeus, todas essas instituições e iniciativas ensino informal no passado mais recente. O setor cultural desempenham um papel muito importante na manutenção de cariz comercial, juntamente com a omnipresença dos da vida cultural e no acesso às artes e à cultura. O que é meios de comunicação social, levou a uma transformação frequentemente subestimado é o facto de muitos deles profunda, quer em termos de acesso às artes e à cultura terem surgido por oposição ao sistema escolar formal. quer, num futuro cada vez mais próximo, relativamente Contra a rigidez deste — com todas as suas restrições, à coesão social das comunidades de aprendizagem. que alegadamente impedem a criatividade —, os Um número cada vez maior de jovens recusa as ofertas representantes do ensino não formal tentaram criar do setor de ensino não formal sempre que é possível uma modalidade positiva de aproximação voluntária participar em eventos culturais desde casa com a ajuda às artes, sem necessidade de realizar exames de um computador. De acordo com esta tendência, a única permanentemente. oportunidade para o sector não formal tradicional reside Há que sublinhar, também, que muitas dessas instituições na sua capacidade para reunir as pessoas fisicamente e não formais tentaram abordar a desigualdade social, proporcionar uma experiência significativa em práticas concentrando de maneira particular os seus esforços artísticas partilhadas. nos jovens socialmente desfavorecidos, com formações e contextos culturais ignorados pelo sistema escolar regular, Educação artística e cultural em instituições como acontece com o número crescente de migrantes que culturais veio para a Europa nos últimos anos e que desenvolveu Na maioria dos países europeus, algumas das maiores a sua própria infraestrutura cultural não formal, sem instituições culturais foram criadas com o objetivo de que haja disso reflexo na educação ou mesmo na política funcionarem como espinha dorsal da identidade cultural cultural. nacional. Como tal, não tiveram qualquer problema No debate atual sobre políticas educativas, o ensino não em atrair e consolidar o seu público. Enquanto foram formal está a ser confrontado com dois grandes desafios. — sobretudo — as camadas com maior poder aquisitivo O primeiro desafio prende-se com a expansão crescente e melhor formação académica as que as procuravam do ensino formal. A começar pela educação infantil e desfrutavam delas, não foi necessário conceber e obrigatória. A “escola a tempo inteiro” como resposta implementar elaboradas estratégias para atrair mais generalizada à crescente diversificação social e étnica das público. Esta posição privilegiada foi, no mínimo, sociedades europeias está a limitar o tempo livre disponível relativizada nos últimos anos. Mesmo estando garantido para aqueles que procuram aceder ao ensino não formal. o fluxo de turistas que visitam essas instituições, os A resposta mais louvável seria, também neste caso, a programas oferecidos — inclusivamente os que contavam cooperação entre as instituições do ensino formal e não com a participação de instituições culturais de renome formal. Este é ainda um tesouro por descobrir, pois muitas internacional — tornaram-se irrelevantes para uma boa escolas ainda não perceberam que o sector não formal parte da população local. A reação dominante foi virar- também dispõe de um dilatado know-how na área capaz se para as escolas para preparar melhor os alunos, de desencadear situações de ensino e aprendizagem mais “o público de amanhã”, mas sem ter em conta que a aliciantes. maioria das escolas estava focada noutras prioridades, Por sua vez, as escolas podem garantir o acesso aos como a criatividade ou as formas de expressão. setores não formais do ensino por parte dos jovens que, Consequentemente, a maioria das instituições culturais, caso contrário, não participariam nesses programas. até mesmo em iniciativas de pouco relevo, estabeleceu os Apesar das barreiras institucionais, a prática efetiva seus próprios programas educativos e de mediação para dessa cooperação revela a necessidade de superar melhorar a comunicação com os visitantes não regulares. vários obstáculos. Como é óbvio, os condicionalismos Esta situação verifica-se com maior intensidade quando institucionais que determinam as diversas os decisores das políticas culturais — frequentemente regulamentações linguísticas, os objetivos, as qualificações, espicaçados pela retórica política populista — são os procedimentos, as normas de qualidade ou os critérios confrontados com dados que confirmam a diminuição do de avaliação tornam necessário preparar cuidadosamente número de pessoas que recebe algum tipo de benefício de qualquer tipo de cooperação. Na Áustria, por exemplo, instituições culturais dotadas com recursos públicos. Assim, as chamadas “Escolas Campus” estão a melhorar as todo o sector cultural financiado pelas administrações oportunidades de cooperação eficiente a partir de um públicas viu-se obrigado a redefinir a sua relevância social enquadramento organizativo que aproxima as diferentes e, consequentemente, a sua relação com as comunidades instituições e permite que os alunos passem de um locais. 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 21 Textilmobil: iniciativa de artistas da Universidade de Artes Aplicadas de Viena para cooperar com escolas de design criativo. © Eva Lausegger Todas essas experiências põem de manifesto que esta tornou-se cada vez mais evidente que a cooperação nova empreitada leva a um processo de transformação intra-institucional entre educadores, mediadores e os institucional profundo. Não se trata apenas de um simples outros departamentos internos seria suficiente para a acerto no marketing, mas de mudanças radicais em todas atualização das instituições culturais. A verdade é que as áreas institucionais: gestão, programação, qualificação, apenas seguindo uma abordagem intersectorial que junte comunicação e cooperação. Os desafios são ainda maiores e maximize os esforços será possível gerir a organização se se tiver em conta que o público potencial é cada vez de novos cenários, como os “programas de extensão”. menos homogéneo e mais diversificado do ponto de vista O mesmo se aplica à cooperação externa, uma vez que étnico, religioso, social ou geracional, o que leva a uma as escolas e as diversas iniciativas promovidas pela reformulação completa do que as instituições culturais sociedade civil aparecem, num terreno em crescente proporcionam, não só desde a perspetiva do defensor das disputa, como parceiros cada vez mais determinantes artes, mas também da/do (potencial) utilizador. no sucesso ou fracasso de um projeto. Na maioria dos Embora exista, atualmente, uma nova geração de países europeus, foram implementados muitos programas educadores e mediadores qualificados, continua a ser públicos destinados a promover a cooperação entre as necessária a cooperação a nível interno e externo. escolas e as instituições culturais. Esses programas vão Durante muito tempo, as instituições culturais tenderam desde residências de artistas a instituições culturais que a seguir uma abordagem acumulativa, acreditando que administram sua própria escola10. a simples existência de um departamento responsável pela educação seria suficiente e que o resto poderia continuar a funcionar da maneira tradicional nas questões relacionadas com as artes. Entretanto, 10. https://www.kammerphilharmonie.com/zukunft-gestalten/zukunftslabor/. 22 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 A importância da educação artística e cultural nas cidades O sucesso dos esforços desenvolvidos nas escolas, nas instituições de ensino não formal ou nas instituições culturais depende das dinâmicas de transformação urbana. O simples fato de as cidades europeias de hoje terem um aspeto bem diferente do que tinham há apenas trinta anos demonstra que os processos de transformação global do nosso tempo também vão abalar os setores da educação, da cultura e das artes. Enquanto o mundo das artes se vê a si próprio, tradicionalmente, como uma força de vanguarda que tenta combater a inércia, a educação e a cultura tendem a permanecer ao lado dos defensores da manutenção do estado das coisas. Aktionstag Sonnwendviertel: projeto de arte comunitária em ambiente Embora o termo “criatividade” tenha merecido uma urbano que reuniu jovens cidadãos e artistas com o objetivo de juntar grande atenção no discurso da política cultural dos idosos e jovens da comunidade. últimos anos, gostaria de acrescentar um pequeno aviso para não empolarmos as esperanças depositadas nessa perspetiva. É verdade que a aquisição de competências ignorar o ordenamento institucional excessivamente tradicionais já não é uma garantia para encontrar um posto fragmentado do que é atualmente qualquer cidade de trabalho num setor produtivo em contração. Daí que europeia média, será impossível controlar as atuais seja perfeitamente compreensível que a “criatividade” - convulsões. Não se pode exigir, de modo algum, que sejam essa nova palavra mágica da era pós-industrial que traz a os sectores comparativamente mais frágeis da cultura, ou promessa de uma maior prosperidade económica e social mesmo da educação, a compensar os fracassos dos outros - goze de uma popularidade considerável, e não só entre setores. os decisores políticos11. Com toda essa euforia, esquece-se Antes de mais nada, o que parece necessário é superar as com demasiada frequência que a “criatividade” também barreiras existentes — sejam elas psicológicas ou físicas — e representa um aumento da concorrência. À sombra desse fazer uso da “curiosidade” na procura de novos espaços novo campo de batalha é possível encontrar um número por preencher. Esta seria a aplicação da “criatividade” a crescente de indivíduos cada vez mais criativos que vivem todos os âmbitos de competência de uma cidade. Como tal, em condições precárias12, para não falar daqueles que destacaria, por exemplo, que a atual política ambiental só têm características pessoais menos criativas, embora será bem-sucedida quando se tiverem em conta as suas contem com outros talentos valiosos, como a moderação, a implicações estéticas13. resistência ou a empatia. Em tempos de redução insidiosa do estado do bem-estar, esses indivíduos — mesmo munidos O papel das autoridades dos mais altos níveis de educação — vão perder a suas Ao chegarmos ao fim deste artigo acerca do meio em perspetivas futuras. mutação no qual as autoridades públicas intervêm para Esta observação pretende apenas esclarecer que, tentar orientar o acesso às artes e à cultura, a participação particularmente em estruturas urbanas altamente cultural ou a educação artística e cultural dos seus complexas, as estratégias políticas unidimensionais cidadãos, devemos ter em consideração que a maioria para a promoção da “criatividade” na educação ou na desses representantes se formaram sob as diretrizes do cultura não vão trazer os resultados de que precisamos. industrialismo. Portanto, é mais do que compreensível Este meu contributo pretende, precisamente, chamar a que este quadro teórico e de intervenção sobre questões atenção para a necessidade imperiosa de cooperação a como os acordos comerciais, as exigências do mercado de nível interno e externo, e pessoal e institucional. E esta trabalho e a aquisição das competências que este impõe exigência é igualmente válida no terreno da política. Sem ainda esteja profundamente enraizado nas mentes dos responsáveis como única prioridade política possível. O ponto de vista industrial, que é o dominante, continua a ser, por conseguinte, a única vara de medir que conta. 11. Veja-se o fascínio de Richard Florida em relação à nova classe criativa. 12. Quando, por exemplo, o rendimento médio anual de um artista austríaco ronda os 5.000 euros, torna-se claro que os artistas não são um modelo de produção de riqueza cativante. O sector cultural é mais um espelho das desigualdades sociais: face a um número crescente de artistas que 13. Existe já uma série de conceitos promissores, como o de “cidadania lutam pela sobrevivência, o que encontramos é um reduzido número de artística”. Cf. Elliott. D. J., Silverman, M., et. al. (2016): Artistic Citizenship – celebridades ricas. Artistry, Social Responsibility and Ethical Praxis. Oxford University Press. 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 23 Living Sounds: projeto de arte comunitária com o artista Peter Spindler, que faz uso de máscaras no espaço público para chamar a atenção para questões de diversidade. © Petra Rautenstrauch Comparativamente, e se transferirmos esses mesmos ou a origem familiar têm vindo a revelar-se cada vez mais critérios, as artes, a cultura e a educação artística como importantes. campos que se estendem para além dos princípios Esse tipo de desconfiança produz cada vez mais dominantes da utilidade imediata tendem a tornar-se frustração nas populações urbanas e leva-me ao bastante irrelevantes. pressuposto final de que apenas através de abordagens Neste contexto, o que surpreende ainda mais é que uma transversais que liguem competências nos campos da nova geração de populistas de direita tenha colocado a cultura ou da educação com outras questões como a “cultura” na agenda política e, consequentemente, estejam habitação, os transportes, a tecnologia, o ambiente, a aproveitar os reservatórios emocionais dos cidadãos a ecologia ou a segurança social permitirão manter revoltados para dividir as populações urbanas — étnica e e desenvolver uma maior coesão social e uma maior socialmente falando — entre, por um lado, as elites liberais prosperidade. Quando, por exemplo, em Viena, mais de e cosmopolitas ligadas às artes e, por outro, as pessoas 25% da população local está excluída da participação comuns que anseiam por uma pátria culturalmente política, nenhuma medida para melhorar o acesso às homogénea. E daí devemos depreender que, com o artes e à cultura terá qualquer hipótese de melhorar avanço desta nova onda de forças liberais e autoritárias, significativamente as condições de trabalho e de vida a “cultura” acaba por não ser algo bom em si mesmo, mas daqueles que estão estruturalmente excluídos. dependente do respetivo enquadramento político. Como Uma revisão da história mostra a extraordinária noutras questões, sejam elas relacionadas com a tecnologia importância das artes como pilar das sociedades ou a comunicação, os eventuais efeitos colaterais vão- abertas, empáticas e, consequentemente, cooperativas. se revelando a par da utilização individual e social que Nesta perspetiva, somos convidados, uma e outra vez, a fazemos deles. colocar esta experiência em cenários contemporâneos O grau crescente de desequilíbrio social mostra-se de participação cultural e educação. No entanto, se mais perigoso à medida que se vai revelando a falsidade olharmos para trás, também mostra que, até agora, o da promessa política do pós-guerra de que a educação potencial das artes, quer na educação quer noutros conduziria a uma melhor posição social. Em comparação sectores sociais, não tem sido aplicado adequadamente com o otimismo dos primeiros tempos, até ao conceito e — observando os verdadeiros portentos políticos nos original de educação como o mais eficaz trampolim para muros da Europa — o inacreditável torna-se uma opção e o o sucesso se tornou ambivalente. Atualmente, são muitas declínio coletivo é possível. Cabe-nos a nós, que assumimos as pessoas que deixaram de acreditar na promessa de que a responsabilidade da competência no desenvolvimento a educação — com ou sem as artes — lhes proporcionará urbano, escolher o caminho a seguir. Deveríamos ser uma vida melhor. Para elas, outros fatores como a etnia corajosos ao entrarmos nesta nova terra. l futuro, redefiniciones Crisis de ciudadanía y formas de de la a juventud participación cultural de l i Carmen Leccard ad de Milán-Bicocca a Universid Profesora de l ais como As instituições cultur as de aprendizagem ao plataform diálogo ongo da vida, criatividade e l intercultural er Beatty de Dublin, Irlanda Jenny Siung useu Chest s Educativos da Biblioteca-M Chefe dos Serviço Museomix Toulouse, Museo Saint Raymond 2016 © Jenny Siung 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 25 ARTIGO As cidades precisam de adotar posicionamentos diversificados e, assumindo diferentes pontos de vista, fazer um balanço das suas concretizações e dos desafios que se lhes apresentam. O mesmo sucede quando se trata de conciliar a diversidade dos cidadãos. Existem vários indicadores para caraterizar as cidades, quer em termos culturais e educativos, quer quanto ao modo como contribuem para a qualidade de vida e a inclusão da população. Muitas cidades enfrentam, no entanto, o desafio de ligar os diferentes coletivos às instituições culturais e, em simultâneo, promover uma cidadania ativa. Os museus, as bibliotecas e as instituições culturais oferecem oportunidades inestimáveis para incentivar a aprendizagem e a participação dos cidadãos através da aprendizagem ao longo da vida, as práticas criativas e o diálogo intercultural. Introdução templos gregos da antiguidade desempenharam um papel O que faz de uma cidade uma cidade educadora? Quais fulcral nas atividades de culto, na veneração de objetos são os fatores que contribuem para que tal aconteça? sagrados e nas ofertas votivas; serviam de vínculo para as Os espaços públicos como os museus desempenham um pessoas socializarem e se juntarem nos espaços públicos papel importante na vida e no serviço à população. No à volta, discutindo sobre ideias, política e comércio e entanto, são confrontados com uma forte concorrência. celebrando e participando da vida grega. Seguindo este Para continuarem a ser importantes para o público — o que modelo de centro irradiador, os museus, bibliotecas e efetivamente existe agora e o que está por vir —, não podem demais instituições culturais podem propiciar toda uma trabalhar isoladamente. Na Europa, ao longo dos séculos série de spillovers: conhecimento, negócios e relações4. XVIII e XIX, foram surgindo os museus como repositórios No que diz respeito ao conhecimento, estes espaços são de curiosidades, tendo evoluído até se tornarem centros como polos de incubação que permitem aos artistas e às de aprendizagem. A promoção da aprendizagem traz empresas desenvolver ideias, inovar e gerar processos consigo um efeito spillover sobre outras instituições e criativos. Ao falar de negócios, está-se a falar de um meio organizações, incluindo bibliotecas e demais instituições dinâmico que oferece oportunidades para as indústrias culturais. Em 2012, a Comissão Europeia reconheceu a criativas, o comércio, as organizações ligadas às artes e importância dos efeitos spillover das artes, da cultura e das aos artistas e os eventos que fomentam as sinergias entre indústrias criativas1. “Entende-se por spillover um processo eles. Quanto às relações, este modelo repercute num através do qual a atividade de um setor tem um impacto espaço concentrado, como um bairro cultural5. subsequente nos lugares, na sociedade ou na economia, através da transferência de conceitos, ideias, competências, Bairros culturais conhecimentos e diferentes tipos de capital”2. Estes espaços onde o efeito de spillover é muito evidente têm vindo a surgir em vários países sob a forma de projetos O efeito spillover nos museus, bibliotecas e de pequena, média e grande escala. Os municípios de instituições culturais das cidades Dublin e de Waterford têm projetos de desenvolvimento Acreditamos que os museus, as bibliotecas e as instituições deste tipo de polos culturais. Ambos os municípios referem culturais desempenham um papel importante no efeito a participação dos cidadãos como sendo um fator que spillover nas cidades. Em primeiro lugar, a maior parte contribui para a integração intercultural ou de migrantes; destas organizações está localizada no centro da cidade do mesmo modo, consideram a aprendizagem ao longo da e não em locais isolados e remotos. A palavra ‘museu’ vida e as práticas criativas como uma via de apoio à vida deriva de museion, um termo grego para designar o espaço económica, cívica e cultural de ambas as cidades6. sagrado onde as artes e as ciências são protegidas3. Os A cultura desempenha uma função na resposta às diversas crises, sejam elas as crises de identidade, de desigualdade entre os cidadãos, de sustentabilidade ou de 1. Fleming, Tom, Cultural and Creative Spillovers in Europe: Report on a objetivos. Acreditamos que a cultura é e tem sido, desde a preliminary evidence review, Outubro de 2015, Arts Council UK, Arts Council Ireland, Creative England UK, European Centre for Creative Economy Germany, European Cultural Foundation Netherlands, European Creative Business Network, p. 4 e pp. 14-15. 4. Fleming, Op. cit., p. 8. 2. Ibid. p.8. 5. Ibid. p. 8. 3. Rambukwella, Chulani, ‘Museums and National Identity: Representation 6. Ver A Cultural Quarter for Waterford, Outline Rationale, Priorities and of Nation in National Museums’; Building Identity, The Making of National Building Blocks, Setembro de 2017, Câmara Municipal de Waterford. Ver Museums and Identity Politics, National Museum of History, Taiwan, 2011, p. 35. parnellsquare.ie para o Parnell Square Cultural Quarter Dublin. 26 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Era Industrial até aos dias de hoje, um remédio para essas crises. Estas instituições não só preservam, protegem e expõem o património cultural, como desempenham um papel principal e ajudam a criar vínculos entre os cidadãos e a cidade7. O Conselho da Europa descreve o papel do património cultural e a sua missão na criação de uma sociedade democrática e pacífica, no desenvolvimento sustentável e na promoção da diversidade cultural8. Ao convidar as comunidades a envolverem-se e a participarem nestes espaços, os cidadãos provam que podem organizar a sua cultura de forma inovadora9. O papel dos museus, das bibliotecas e das instituições culturais na promoção da aprendizagem ao longo da vida, das práticas criativas e do diálogo intercultural Esta abordagem inovadora chegou a instituições mais tradicionais, como os museus. Desde finais do século XX até à data, os museus alargaram a sua esfera de atuação para além das suas quatro paredes e fomentaram parcerias com disciplinas e setores não-museológicos. Passaram, assim, a desempenhar um papel significativo na vida das suas comunidades. Para alguns, os museus têm tendência para promover uma forma unilateral de envolvimento com as comunidades; para outros, os Projeção de instalação Mapping, Chester Beatty by Maker-in-Residence, museus oferecem ativamente os seus espaços e convidam 2016 ©Jenny Siung as comunidades a cocriar, cointerpretar e organizar exposições, o que constitui uma mudança radical do Europa. Sabe-se que as instituições culturais são agentes modelo de museu mausoléu para um modelo de museu importantes na promoção da compreensão cultural, aberto. Em 2017, a American Alliance of Museums olhou do diálogo intercultural, da diversidade cultural e na para o futuro e esboçou a forma como os museus irão transmissão intergeracional da cultura11. Como se colocam funcionar em 2040, prevendo que alguns deixarão de ser estas questões na oferta atual de aprendizagens ao longo organizações estáticas, baseadas em coleções, para se da vida, práticas criativas e diálogo intercultural? Neste tornarem modelos mais fluidos, dinâmicos e centrados na artigo, incluímos um conjunto de áreas nucleares a serem comunidade10. discutidas. Isto traz-nos de volta a questão dos valores que projetarão os museus do futuro. Num cenário ideal, a Aprendizagem ao longo da vida localização de museus, bibliotecas e organizações culturais No livro Lifelong Learning in Museums: a European poderá beneficiar e contribuir em grande medida para Handbook, a aprendizagem num museu é descrita como o efeito spillover no planeamento urbano dos bairros podendo ser informal, espontânea ou, por vezes, acidental12. culturais. O Open Method of Coordination (Método A oferta de aprendizagens nas instituições culturais Aberto de Coordenação) é uma plataforma da UE para os tende a ser diferente da que é proporcionada pelo sector ministérios da cultura e as instituições culturais nacionais formal. Os programas podem variar muito: desde visitas se encontrarem, trocarem boas práticas e produzirem guiadas, workshops práticos, apresentações musicais, manuais e ferramentas para serem partilhados por toda a palestras e atividades para famílias, até exposições. A oferta é determinada pelos recursos disponíveis, assim como pelo mandato destas organizações. Para algumas, 7. O património cultural inclui o ambiente construído e natural e artefactos. 8. Council of Europe Framework Convention on the Value of Cultural Heritage for Society, Council of Europe Treaty Series - No. 199, Faro, 27.X.2005, p. 2. 11. Report on the Role of the Public Arts and Cultural Institutions in the 9. Visser, Jasper, ‘The Role of Culture and Community in the Development of Promotion of Cultural Diversity and Intercultural Dialogue, Open Method of Smarter Cities,’ Museums of the Future, blog post 9 Janeiro de 2019. Coordination (OMC) working group of EU Member experts, work plan 2011- 10. Rozan, Adam, ‘Hello and Welcome to the Future,’ Museum 2040, 2014, Janeiro de 2014, União Europeia, Bruxelas, p. 5. November-December issue, volume 96, nº. 6, 2017, American Alliance of 12. Gibbs, Kirsten, Sani, Margherita, Thompson, Jane (eds.), Lifelong Learning Museums, p. 17. in Museums: A European Handbook, EDISAI srl- Ferrara, 2007, p. 13. 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 27 As observações anteriores trazem-nos de volta as conclusões apontadas na conferência e na revista da American Alliance of Museums (AAM) 2040. O então presidente da AAM, psiquiatra de profissão, assinalou o “bem-estar mental” como uma área de desenvolvimento para os museus. Nessa linha, as interações proporcionadas pelos museus —e que envolvem objetos, histórias e diálogos — são apontadas, quando devidamente veiculadas, como um contributo para a redução do estresse e da ansiedade, além de serem fatores de inclusão, em vez de isolamento, daqueles que participam nos seus programas14. Para manter a sua relevância, as instituições culturais terão de repensar continuamente o seu papel nas comunidades. De facto, podem ser muitos os impactos positivos das instituições culturais, especialmente porque os cidadãos têm vidas mais longas e dispõem de mais tempo. Nessas organizações, surgiram vários programas de saúde e bem- estar, incluindo visitas “amigas da demência”. Como desenvolver visitas amigas da demência Como é que estas organizações concebem e executam tais programas? As redes desempenham um papel essencial no processo, contribuem para alargar o âmbito das organizações culturais, potenciam melhores formas de colaboração e incentivam diálogos essenciais à mútua compreensão. A Chester Beatty Library, a nossa organização, oferece visitas guiadas amigas da demência. Um membro a aprendizagem é o fulcro da organização; para outras, da equipa de Educação foi convidado a participar numa trata-se apenas de um complemento da programação sessão de formação com a rede Azure15. Trata-se de uma anual. Os museus, as bibliotecas e as instituições culturais colaboração entre uma agência de apoio aos idosos e funcionam como um “terceiro espaço” para além da sala parceiros do sector artístico e cultural irlandês. Ofereceu-se de aula formal, oferecendo múltiplas oportunidades de formação e apoio na conceção e operacionalização de visitas aprendizagem. Os visitantes têm antecedentes, interesses a galerias dirigidas a pessoas com demência e aos seus e conhecimentos diversos e são movidos pelo desejo cuidadores. Começou a ser lançado, em 2017, um programa de viver novas experiências nestes espaços. A recente que utiliza estratégias de pensamento visual16. À chegada ao recessão económica mundial teve impacto nas populações museu, antes do início da visita, os participantes recebem jovens e adultas que abandonaram a aprendizagem formal uma sessão de atualização informativa. O facilitador do ou que, devido à perda do emprego, foram obrigadas e museu vai interagindo com cada visitante e com os seus seguir programas de reciclagem. As tecnologias digitais prestadores de cuidados antes de entrarem no espaço ultrapassam frequentemente os guardiões tradicionais expositivo, mas sem pressionar ninguém a responder do conhecimento, como são as instituições culturais, na às questões que vão sendo colocadas. Os momentos de medida em que franqueiam o livre acesso ao conhecimento, contemplação, a experimentação de outros ambientes dispensando a consulta dos tradicionais guardiões da e o contacto com outras pessoas constituem valiosas informação. Estas instituições culturais foram forçadas experiências para as pessoas com demência e os seus a dar um passo atrás e a refletir sobre a melhor forma cuidadores. Estes programas levam tempo a serem postos de enfrentar os novos desafios e de criar ambientes de em funcionamento e requerem uma avaliação contínua ao aprendizagem mais dinâmicos, a partir dos quais as equipas longo do processo. Perante contextos em mudança, este e os visitantes possam aceder coletivamente à informação, é um exemplo de como as instituições culturais podem bem como explorar e abordar as coleções de formas novas adaptar a sua oferta aos cidadãos e às cidades. e criativas13. 14. Report on the Role of the Public Arts and Cultural Institutions in the Promotion of Cultural Diversity and Intercultural Dialogue, Op. cit., p. 5. 13. Ver www.creative-museum.net/c/creative-museum/ como exemplo de 15. Ver www.ageandopportunity.ie/what-we-do/education-training/azure modelos de aprendizagem criativos e dinâmicos para museus. 16. Ver www.vtshome.org 28 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 O impacto dos contextos em mudança no modo como os museus funcionam e colaboram leva a pensar os museus e o mundo exterior como potenciais espaços de criatividade. Assim, em ambos os projetos surgiram a experimentação, a criação de protótipos e a incorporação de novas práticas19. A criatividade não é de modo algum fixa, está sempre a evoluir, a mudar e a responder ao meio que a circunda. Ambos os projetos deram aos profissionais dos museus o impulso para adotar abordagens do tipo “eu sou capaz de fazer” e de experimentar novas ideias, tanto nos programas de formação, como nas respetivas organizações. Grupo Museu criativo no Museomix de Toulouse 2016 ©Jenny Siung Misturar o museu Estas ideias criativas, com as suas respetivas abordagens e concretizações, foram exploradas numa série de ações de Práticas criativas em cidades criativas formação decisivas para dois projetos: Museomix e Maker- Como referido, os museus, as bibliotecas e as instituições in-Residence. Museomix é um coletivo sediado em França e culturais têm vindo a desenvolver abordagens novas formado por profissionais criativos —tais como designers, e inovadoras de aprendizagem para os seus públicos gamers, codificadores, artistas, escritores, cientistas e em resposta a contextos em mudança. Muitas destas profissionais de museus — que se reúnem e dialogam num organizações sofreram cortes orçamentais e reduções ambiente museológico. Passam três dias em equipa e vão de pessoal como consequência da crise económica global respondendo a ideias inspiradas na coleção do museu de 2008. Já assinalámos o papel da cultura nas crises. A anfitrião. Por sua vez, estes grupos inventam, concebem e situação gerada depois de 2008 obrigou, efetivamente, a desenvolvem protótipos de instalações museológicas com uma profunda reflexão sobre os públicos, a sua adesão às recurso a novas tecnologias e, no último dia da formação, iniciativas e o desenvolvimento profissional como forma incentivam o público em geral a testar as suas ideias. de, a longo prazo, fazer face ao impacto da recessão Os parceiros do projeto participaram no Museomix para económica. Um bom exemplo disto é uma iniciativa refletir sobre o modo como essas competências poderiam financiada pela UE, The Creative Museum (2014-2017), a que ser adaptadas nas suas próprias organizações e também se seguiu o projeto Making Museum (2017-2019), que teve com o objetivo de as partilhar com as suas redes locais20. uma duração de dois anos. A razão de ser destes projetos A beleza deste esforço colaborativo reside na sua abertura prende-se com a própria sobrevivência dos museus após e disponibilidade para a troca de ideias, para assumir os os cortes acima referidos. Desencadeou-se uma onda de riscos do desenvolvimento de protótipos, bem como no conhecimento, indústria, rede de contactos e criatividade seu potencial para a resolução de problemas e de partilha. que propiciou o desenvolvimento de parcerias inéditas entre Estas abordagens são identificadas como cocriativas — instituições científicas, empresários criativos, makers —um quando uma pessoa colabora criativamente com outros — e maker é alguém que faz as coisas com as mãos e utiliza a de código aberto — a partilha aberta de ideias, sem patente, abordagem “faça você mesmo” — e museus. Criatividade como acontece, por exemplo, com o código de um jogo. e prática criativa é a capacidade de transcender a forma Este modelo é normalmente utilizado pelo sector das start- tradicional de fazer as coisas nos museus, de gerar ups no desenvolvimento de ideias para as empresas. novas ideias, relações, criatividade e imaginação17. Aos parceiros do projeto não só foi oferecida a oportunidade Porquê trabalhar com makers? de explorar, responder e refletir sobre estas abordagens, Os makers são inovadores que se encontram como também a oportunidade de requalificação e de frequentemente em espaços citadinos e fazem coisas ou treino de novas formas de interpretação das coleções dos apresentam estas ideias em feiras anuais de makers. As museus. O documento Analysis of Best Practices from instituições culturais podem explorar a sua criatividade Across Europe, do The Creative Museum, reflete sobre e trocar com eles ideias para o desenvolvimento de as relações entre as organizações culturais e concebe os programas destinados a captar públicos. O Maker-in- museus como ambientes dinâmicos de aprendizagem18. Residence oferece aos makers uma residência de doze 17. O que queremos dizer com criatividade? Ver www.creative-museum.net 19. Siung, Jenny (introdução), Toolkit, ‘Strategies for Success’, The Creative 18. Sunderland-Bowe, Jo Anne (autor), Siung, Jenny (ed.), Analysis of Best Museum, Cap Sciences, 2017, p. 6. Practices from Across Europe, The Creative Museum, Cap Sciences, 2016, p. 7. 20, Ver www.museomix.org 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 29 dias nos países parceiros dos projetos do Creative e do Making Museum. Um programa tradicional de residências artísticas tende a criar um espaço para os artistas responderem a uma coleção e/ou desenvolverem o seu próprio trabalho durante o tempo em que são apoiados por uma organização. O Maker-in-Residence, contudo, ofereceu aos makers a possibilidade de colaborar e cocriar com as coleções dos museus. Porquê os makers? Trata-se do reconhecimento dos conhecimentos e competências destes criadores que exploram a criatividade sem receio de falhar, que são especialistas em experimentar novas ideias de forma rentável. Este tipo de experimentação conduz frequentemente ao fracasso, mas, em caso de insucesso, tenta-se novamente. A liberdade de experimentar é uma forma viva e revigorante de testar novas respostas às coleções dos museus. Para além de incentivar a partilha de conhecimentos e o acesso às coleções, esta abordagem cocriativa do museu e do maker desafiou muitos profissionais criativos externos, assim como os públicos, os já existentes e os novos, a repensar a imagem tradicional de um “museu fechado”. Introdução ao protótipo de jogo de dados com o diretor do museu de Como criar um programa Maker-in-Residence St Raimond, 2016 ©Jenny Siung Em parceria com um maker, assumimos a curadoria da primeira instalação de mapping alguma vez realizada em que os makers e os museus trabalham. É natural que num museu irlandês. A proposta, inspirada na projeção surjam divergências de expectativas e que as experiências de animais em perigo de extinção realizada pelo Vaticano nem sempre coincidam. Contudo, o diálogo aberto, a na Basílica de São Pedro, consistiu em convidar um confiança mútua e a compreensão, bem como a vontade maker digital para interpretar a nossa coleção de livros e de aprender, tentar e testar as coisas, são ingredientes manuscritos raros (islâmicos, da Ásia Oriental e europeus)21. essenciais para este tipo de colaboração. Como resultado Inicialmente, a ideia do mapping não foi bem recebida pelo desta experiência, a mesma organização tem continuado pessoal do museu, mas, uma vez partilhado o exemplo a acolher uma série de outras residências de makers e do Vaticano, conseguiu-se uma melhor compreensão a incorporar cultura artesanal no seu público e no seu do projeto. Por seu lado, o maker, que trabalhou com programa de aprendizagem23. um computador desenhado por ele próprio — conhecido como Raspberry Pi e cujo custo foi inferior a 40 euros — Diálogo intercultural nas cidades inclusivas teve acesso à coleção digital do museu e concebeu um O envolvimento do público é fundamental para os mapping de imagens rotativas que foi depois projetado museus, as bibliotecas e as instituições culturais. Este na parede exterior do museu. Partilhou, também, as suas nosso trabalho torna evidente a necessidade de um competências com o público local, incluindo adultos, envolvimento alargado. Tal como identificado no artigo adolescentes e makers locais. A residência também ajudou 27.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, todas o museu a desenvolver novas capacidades para atingir as pessoas têm o direito de participar na vida cultural da públicos difíceis de seduzir22. O elemento mais caro do comunidade24. O aumento da migração e da mobilidade na projeto foi o projetor que, na Irlanda, tem um custo de 100 UE conduziu a uma série de crises, como a provocada pela 000 euros, enquanto em Berlim, por exemplo, pode ser mais recente passagem de refugiados e migrantes do Médio alugado por 1000 euros. No entanto, o museu mobilizou os Oriente através do Mar Mediterrâneo para a Europa, desde seus contactos e conseguiu que, na véspera da instalação, 2013 até aos nossos dias. Mais uma vez, acreditamos que a uma organização vizinha cedesse um projetor por um cultura não só aborda a aprendizagem ao longo da vida e a custo muito inferior. Importa compreender os contextos 23. Para mais informações sobre como tornar-se um museu criativo, 21. Ver www.news.nationalgeographic.com/2015/12/151208-vatican-photo- consulte Toolkits: ‘Strategies for Success’, ‘Spaces for Yes’ e ‘Connecting to ark-wildlife-photos-cop21 Communities’ em www.creative-museum.net 22. Ver www.creative-museum.net/c/makers-in-residence 24. Ver www.unesco.org 30 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 habitacionais, dos serviços públicos, dos negócios e do mercado de trabalho, da cultura e dos espaços públicos, da mediação e resolução de conflitos, da língua, do relacionamento com os meios de comunicação locais, de uma perspetiva aberta e internacional, da inteligência e competência interculturais, do acolhimento dos recém- chegados e da governança, liderança e cidadania. Dublin recebeu o estatuto de Cidade Intercultural em 2012 e o Gabinete de Integração do Município de Dublin criou um comité consultivo de cidadãos de diversas origens culturais26. Esta abordagem inclusiva dos cidadãos confere poder às comunidades migrantes — às novas e às já estabelecidas — e constitui um fator de coesão social na vida das cidades27. A atual Estratégia da Cidade de Dublin para 2016-2020 reconhece a migração e a diversidade cultural e descreve Dublin como uma cidade compacta, constituída por uma série de bairros sustentáveis que promovem a inclusão social e a integração de todas as comunidades étnicas28. Como é que isto se reflete na vida cultural da cidade? Como exemplo de polos culturais, as cidades de Dublin e de Waterford estão em vias de criar bairros culturais e integram um centro intercultural como espaço seguro e acolhedor para a expressão cultural.29 “Deusa”- carnaval de fusão Declan Hayden © Departamento de Como construir um programa intercultural para Integração Município de Dublin museus, bibliotecas e instituições culturais Existe já um razoável conjunto de instrumentos e orientações para apoiar as organizações que apostam no diálogo intercultural. Museums as places for intercultural prática criativa, como também constitui um espaço seguro dialogue (Map for ID) e The Role of Public Arts and Cultural de aprofundamento do conhecimento e da compreensão Institutions in the Promotion of Cultural Diversity and das diferentes culturas em ambientes partilhados e Intercultural Dialogue são apenas dois bons exemplos30. abertos, como museus, bibliotecas e instituições culturais25. Como é o diálogo intercultural e como é que um museu, Tal como com os outros exemplos abordados neste artigo, uma biblioteca ou uma instituição cultural desenvolvem estas organizações culturais tiveram de rever, adaptar e as competências interculturais?31 Para além do programa responder a contextos em mudança, a fim de sobreviverem Cidades Interculturais referido anteriormente, existem e permanecerem relevantes para os seus públicos, os já também, nas cidades, organizações e indivíduos que existentes e os futuros. representam comunidades culturais diversificadas. A Como é que as cidades e as suas instituições culturais formação de equipas de trabalho e uma programação se veem a si próprias face aos desafios emergentes? O programa Cidades Interculturais do Conselho da Europa, que inclui um “Índice Intercultural”, é um bom exemplo de como as cidades se podem classificar a si próprias. O 26. A autora participou no comité consultivo 2012-2014 como representante das instituições culturais nacionais irlandesas, em reconhecimento pelo seu programa oferece uma estratégia de cidade intercultural, trabalho no diálogo intercultural e na aprendizagem em museus. um conjunto de princípios e uma forma de pensar. Mais 27. Ver https://www.coe.int/en/web/interculturalcities/dublin importante ainda, analisa numerosos sectores que 28. Dublin City Council, Integration Strategy 2016-2020, Community and Social Development Section, Dublin City Council, p. 10. ajudam a avaliar a forma como uma cidade se esforça 29. Op. cit., nota de rodapé 6. por ser inclusiva relativamente aos seus cidadãos. 30. Ver https://www.ne-mo.org/fileadmin/Dateien/public/service/Handbook_ Estes indicadores analisam a forma como um município MAPforID_EN.pdf e Op. cit., nota de rodapé 11. 31. O diálogo intercultural é um processo que compreende um intercâmbio demonstra o seu empenho em desenvolver-se como cidade ou uma interação aberta e respeitadora entre indivíduos, grupos e intercultural através do sistema educativo, das condições organizações com diferentes origens culturais ou visões do mundo. Entre os seus objetivos contam-se: desenvolver uma compreensão mais profunda das diversas perspetivas e práticas; aumentar a participação e a liberdade e capacidade de fazer escolhas, promover a igualdade e reforçar os processos 25. Ver www.creative-museum.net/c/creative-museum/ Op. cit., p. 5. criativos. 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 31 Verão em Dublin Declan Haiden © Departamento de integração Município de Dublin adequada, a vontade de chegar a novos públicos e Assim, seguem-se aqui algumas recomendações: a criação de espaços de partilha são ingredientes • É importante rever continuamente os programas e as fundamentais na promoção do diálogo intercultural. iniciativas. O nosso museu iniciou recentemente, com uma • O que poderia ter funcionado há dez anos pode ter-se organização local chamada Mother Tongues, a sua primeira tornado obsoleto. sessão de contos bilingues para famílias plurilingues32. • O respeito e a compreensão mútuos são essenciais. Muitas bibliotecas municipais oferecem programas de • A cocriação e a colaboração abrem espaços para públicos aprendizagem e de intercâmbio de línguas, bem como difíceis de captar. acreditação certificada para estes cursos. O Museu • A maioria das cidades tem um espaço de makers e uma Britânico oferece visitas guiadas em inglês para falantes comunidade de profissionais criativos. de outras línguas (ESOL), utilizando como ponto de partida Muitos museus, bibliotecas e instituições culturais as suas coleções33. Os indicadores de sucesso para estes serviram historicamente uma nação e refletiram a exemplos são a disponibilização de espaços seguros para identidade única de um país, do seu povo e da sua religião: os aprendentes, bem como a promoção da interação e • É importante reconhecer a diversidade interna dos países mútua compreensão. e as complexidades que daí advêm. • A identidade cultural e nacional não é fixa, está em Conclusão e recomendações constante mudança. Existe o perigo de que projetos como os descritos neste • A diversidade cultural é uma mais-valia e não uma artigo se possam tornar simbólicos ou irrelevantes para ameaça para as cidades. museus, bibliotecas e instituições culturais. É importante • É importante aprofundar o conhecimento e a que as cidades deem voz aos seus cidadãos e lhes ofereçam compreensão das diferentes culturas. oportunidades para participar na vida da cidade. Isto • Museus, bibliotecas e instituições culturais podem pode alcançar-se através de um planeamento ponderado, proporcionar espaços seguros para encontros culturais, cuidadoso e coeso e através de uma boa comunicação com bem como oferecer oportunidades de expressão criativa. todo o sector. Ao convidar as comunidades a envolverem-se Museus, bibliotecas e instituições culturais já não são e a participarem nestes espaços, os cidadãos provam que guardiões do conhecimento: podem organizar a sua cultura de forma inovadora34. • As cidades são hospedeiras de aprendentes e cidadãos autodidatas e autoconfiantes com acesso direto ao conhecimento através da tecnologia digital. • Estas organizações podem aprender e incentivar o 32. Ver www.mothertongues.ie diálogo aberto com o seu público. 33. Ver www.britishmuseum.org/learning/adults_and_students/esol_ programmes.aspx • O público tem diferentes necessidades, estilos e 34. Visser, Op. cit., nota de rodapé 9. expectativas de aprendizagem. ducação com a cultura Vincular a e s sustentáveis de para construir cida rtolés s Locais Unidos o Jordi Baltà Po Cidades e Govern da Comissão de Cultura da Especialista Centro Cultural Municipal de Jbeil Byblos. © Câmara de Jbeil Byblos 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 33 ARTIGO Existe um vínculo fundamental entre a educação e o desenvolvimento das capacidades culturais e o exercício dos direitos culturais. Na Comissão de Cultura da Cidades e Governos Locais Unidos concebemos a cultura como um bem comum que amplia a capacidade de cada pessoa para criar o seu próprio futuro e como um processo que permite compreender, interpretar e transformar a realidade, insistindo no facto de que os direitos culturais fazem parte dos direitos humanos. Neste sentido, na medida em que a educação é um processo de desenvolvimento de capacidades que ocorre ao longo de toda a vida e em numeroso contextos, é necessário perceber e explorar os múltiplos cenários nos quais os ecossistemas da educação e da cultura se entrecruzam: educação formal e não formal, instituições e organizações culturais, espaço público, ambientes virtuais, etc. Introdução e transformar a realidade, insistindo no facto de que os A Comissão de Cultura da Cidade e Governos Locais direitos culturais fazem parte dos direitos humanos. Neste Unidos (CGLU), em colaboração com governos locais de sentido, na medida em que a educação é um processo todo o mundo, tem como objetivo a promoção de uma de desenvolvimento de capacidades que ocorre ao longo aproximação a um desenvolvimento sustentável no qual de toda a vida e em numeroso contextos, é necessário a cultura represente um papel determinante. A ideia de perceber e explorar os múltiplos cenários nos quais os cultura enquanto “quarto pilar” do desenvolvimento ecossistemas da educação e da cultura se entrecruzam: sustentável, juntamente com os seus componentes educação formal e não formal, instituições e organizações económico, social e ambiental (Hawkes, 2001, CGLU, 2010), culturais, espaço público, ambientes virtuais, etc. Da implica compreender, por um lado, que a cultura é um mesma forma que falamos de uma cidade educadora, fim em si mesmo nas sociedades que desejam garantir também podemos falar de uma cidade que reconhece plenamente os direitos e as liberdades de todas as pessoas, e promove as suas múltiplas realidades culturais, que uma vez que ter oportunidades para a expressão criativa, explora os modos como as experiências educativas podem para aceder, conservar e dar vida ao património, e manter contribuir para o desenvolvimento de capacidades culturais e conhecer diversas identidades e expressões culturais faz e para o exercício dos direitos culturais, e que promove parte de uma vida digna. Por outro lado, implica reconhecer o papel dos agentes culturais na criação de processos de que, especialmente num contexto local, se produzem aprendizagem. inúmeras interseções entre os aspetos culturais, sociais, Isto implica trabalhar em experiências concretas e, económicos, políticos, ambientais e educativos: participar também, levar a cabo ações de sensibilização e campanhas na vida cultural pode contribuir para a coesão social, para promover uma maior compreensão do papel da ter acesso à diversidade linguística e cultural e às artes cultura no desenvolvimento sustentável que se traduzam pode contribuir para a criação de emprego e de riqueza, em estratégias internacionais, regionais, nacionais e locais etc. O desafio é fomentar políticas que deem resposta às neste âmbito. Uma das principais referências para esta aspirações da cidadania nestes âmbitos e que, por sua questão nos últimos anos tem sido, entre outras, a Agenda vez, abordem a complexidade decorrente das referidas 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015), interseções. com os seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável A relação entre a educação e a cultura é, por conseguinte, (ODS). A Agenda 2030 é menos explícita em relação à um elemento central do trabalho da Comissão de Cultura, dimensão cultural do desenvolvimento sustentável do como se pode apreciar nos documentos fundacionais que seria desejável. No entanto, a CGLU considera que Agenda 21 da Cultura (CGLU, 2004) e Cultura 21: Ações os objetivos marcados pela comunidade internacional (CGLU, 2015). A ideia central é que existe um vínculo em matéria de desenvolvimento sustentável não serão fundamental entre a educação e o desenvolvimento de alcançados se não se reconhecerem os aspetos culturais capacidades culturais e o exercício dos direitos culturais. que, implícita ou explicitamente, estão vinculados a muitos Concebemos a cultura como um bem comum que amplia a dos objetivos estabelecidos nos ODS. Tal implica abordar, capacidade de cada pessoa para criar o seu próprio futuro entre outros, o objetivo 4.7, que estabelece a vontade e como um processo que permite compreender, interpretar de assegurar uma educação que fomente a aquisição Centro Cultural Municipal de Jbeil Byblos. © Câmara de Jbeil Byblos 34 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 dos conhecimentos teóricos e práticos necessários para setores, as parcerias institucionais costumam manifestar promover o desenvolvimento sustentável através da pouca abertura relativamente à colaboração transversal valorização da diversidade cultural e o contributo da para além de projetos pontuais. A frequente rigidez cultura para o desenvolvimento sustentável, por exemplo. dos programas educativos, especialmente na educação Por outro lado, é necessário insistir nos vínculos entre a formal, e a falta de tempo, recursos e conhecimento cultura e os ODS, bem como na importância de os explorar mútuo entre os responsáveis e o pessoal técnico de a nível local, sendo igualmente importante dar conta ambos os setores também não ajuda. das diversas maneiras como, na prática, as cidades e os Apesar destas dificuldades, a observação também governos locais têm trabalhado nesta direção (CGLU, 2018). providencia a existência de numerosas experiências Este artigo procura abordar a questão desde estes dois que, na prática, demonstram o potencial da vinculação planos, o do acompanhamento de práticas concretas e o da entre a educação e a cultura na aposta em cidades mais incidência na melhoria das estratégias políticas, expondo sustentáveis. Em particular, podem ser identificados os desafios, reflexões úteis e algumas orientações para o seguintes eixos relevantes: futuro sobre a relação entre cultura e educação desde a a) Acesso e participação na vida cultural desde a ótica das cidades sustentáveis. educação formal e não formal. O desenvolvimento de capacidades culturais encontra nos espaços Desafios e eixos de ação educativos um meio privilegiado. Da mesma forma que Os programas de aprendizagem entre iguais da a aprendizagem deve ser entendida como um processo Comissão de Cultura da CGLU compreendem exercícios contínuo desenvolvido ao longo da vida tanto em centros de autoavaliação que permitem detetar dificuldades de educação formal, como noutros espaços, também no reforço da dimensão cultural na aproximação ao são múltiplas as metodologias educativas pertinentes e desenvolvimento sustentável. Concretamente, no que devem ser diversificadas as expressões culturais que se diz respeito à relação entre a educação e a cultura, os vejam refletidas na educação. O direito a participar na vida principais desafios que identificámos em diversas cidades cultural traduz-se, na sua vertente educativa, na existência nos últimos anos são os seguintes: de oportunidades inclusivas para o desenvolvimento da • A centralização das competências em matéria criatividade individual e coletiva e no fomento de valores educativa em muitos países, que pode impedir a relacionados com a diversidade e a curiosidade, entre adaptação dos programas da educação formal às outros. Mais concretamente, algumas cidades já assumiram realidades culturais locais e, muitas vezes, também estes princípios, como se pode apreciar nos exemplos dificulta a colaboração com organizações e agentes seguintes: culturais do meio envolvente mais próximo. • Programas de fomento de aptidões artísticas em • A pouca atenção concedida às artes e à cultura nos crianças, jovens e idosos, como o programa Crea, de programas da educação formal, embora com variações Bogotá (antes conhecido como Clan1), o programa “EN entre os diversos países e momentos. Se entendermos RESIDENCIA”, de Barcelona, ou a Escola Livre de Artes – o acesso à educação artística e cultural como um direito Arena da Cultura, de Belo Horizonte, projetos que também cultural e como a base para o pleno acesso à cultura ao são apresentados na presente Monografia, ou os serviços longo da vida, a ausência de oportunidades adequadas educativos do Centro Cultural Municipal de Jbeil-Biblos, tanto na infância como noutros contextos educativos e que oferecem um espaço de encontro e diálogo com formativos representa um grave obstáculo. diversas atividades educativas e artísticas dirigidas a • A desatenção concedida aos programas educativos por públicos diferentes. parte de algumas instituições culturais, embora aqui • Iniciativas de introdução ao património e aos também se observe uma grande diversidade e, em geral, conhecimentos tradicionais, como a ação “Bem-vindos se esteja a produzir um progressivo reconhecimento da ao campo”, de Gabrovo, que favorece a aproximação necessidade tanto de incluir a educação e a formação de jovens e idosos detentores de saberes relacionados entre as atividades centrais de muitas organizações com o campo e o seu envolvimento em atividades do culturais, como de inovar nas metodologias. Seja como património local, ou o Festival da Troca de Sementes for, muitas instituições e entidades culturais (teatros, de Seferihisar que, partindo da vontade de preservar e museus, associações de defesa do património, etc.) ainda de dar a conhecer as distintas variedades de sementes prestam uma atenção limitada a este tipo de questões, nativas e as práticas agrícolas tradicionais, leva a cabo nalguns casos por falta de recursos económicos ou ações nos centros educativos. Em ambos os casos, humanos para as enfrentar em condições. • A falta de diálogo entre os responsáveis pelas políticas educativas e culturais: apesar da crescente 1. As diferentes boas práticas referidas neste artigo podem ser consultadas consciência dos vínculos existentes entre ambos os em http://obs.agenda21culture.net/es/home-grid 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 35 Lyon © École Nationale Supérieure des Beaux Arts de Lyon conhecimentos relacionados com a natureza e objetivos enriquecendo-o com novas expressões artísticas, para educativos e culturais aliam-se para contribuir para favorecer a interação e fortalecer o sentimento de um desenvolvimento mais sustentável que aproveita a pertença e estreitar os vínculos com o meio envolvente herança do passado para a revestir de novos significados humano e físico. no presente e no futuro. • Ações de introdução ao conhecimento por parte b) Ação educativa, formativa e de mediação por parte de instituições culturais, como a biblioteca de nova dos agentes culturais. De modo crescente, os profissionais geração Arhus, em Roeselare, definida como um centro e as organizações da cultura (associações, coletivos aberto de conhecimento; as atividades de escrita criativa artísticos, museus, companhias de teatro, bibliotecas, para refugiados e requerentes de asilo do Centro Dylan orquestras, auditórios, etc.) assumem as suas funções Thomas de Swansea; os programas educativos do Museu educativas, que podem ter múltiplas traduções: desde a de Congonhas ou as ações educativas do museu e outros divulgação do património e a criatividade ou o fomento agentes do património cultural em Conche. No seu de ações de apreço da diversidade, a organização de conjunto, este tipo de iniciativas serve para sublinhar o workshops e de outras atividades participativas, ao papel do conhecimento e da participação cultural como estabelecimento de alianças com agentes educativos vetor de inclusão e de coesão. e sociais para a realização de atividades com uma • Iniciativas formativas para o desenvolvimento de componente educativa, que tanto podem ser levadas a competências na cultura e para a ampliação das cabo nos equipamentos culturais tradicionais, como no oportunidades profissionais, como as do Centro de espaço público e noutros lugares acessíveis. Entre as Músicas do Mundo de Asrhus ou os programas de medidas que podemos observar neste sentido, encontram- educação digital do centro Shadok de Estrasburgo. Nestes se as seguintes: casos, tratava-se de ver nas atividades próprias das • Programas de fomento da criatividade em grupo, artes e da cultura uma área de possível desenvolvimento com incidência na apropriação do espaço público, profissional, juntamente com os seus valores intrínsecos como o programa “JE SUIS…”, de Vaudreuil-Dorion de expressão e conhecimento e os seus efeitos de coesão (também exposto nesta Monografia), ou a Escola dos social. Comuns de Dakar, que promove atividades artísticas e c) Inovação na governança da educação e da cultura. culturais orientadas para o debate entre os cidadãos e Compreender que a educação e a cultura devem explorar a preservação dos bens comuns no bairro. Estas ações as suas intersecções para contribuir para o exercício dos servem para repensar o espaço público, muitas vezes direitos humanos e para o desenvolvimento sustentável 36 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Polo Cultural Totatoga, Busan. © Câmara de Busan Projeto Fabricar, Inventar, Partilhar, Estrasburgo. © Câmara de Estrasburgo nas cidades deveria levar a uma revisão das formas de âmbito da sua participação no programa Cidades Piloto, conceber, implementar e avaliar políticas. A inovação na fomentado pela Comissão de Cultura da CGLU. É de governança deste âmbito passa, em primeiro lugar, por referir, igualmente, a Culture Action Europe, que serviu fomentar estratégias integradas entre políticas educativas para desenvolver novas iniciativas de educação e cultura e culturais, acompanhadas por mecanismos de colaboração após a constatação da existência de carências nesta área. e coordenação e por ações de formação interna, para que os profissionais de cada área compreendam melhor Elementos transversais e critérios de qualidade as particularidades do outro. Em segundo lugar, e com Conceber o desenvolvimento sustentável como uma aposta uma lógica semelhante, é importante criar espaços de estrutural e contínua que exige uma observação e uma diálogo e de colaboração com os agentes da sociedade civil reflexão permanentes implica, também, prestar atenção relevantes: associações representativas de profissionais aos aspetos críticos sobre os quais deverá assentar da educação e da cultura, famílias, ONG que incidam um modelo mais sólido a longo prazo. Existem vários na educação e na cultura, etc. Finalmente, é desejável elementos que cruzam de modo transversal os eixos de procurar fórmulas de colaboração entre os distintos níveis ação referidos e que deveriam ser integrados em todas da administração que possam permitir uma adequação as ações para garantir a qualidade dos processos e o seu das políticas educativas que, em muitos casos, dependem impacto estrutural. Em particular, podem ser mencionados da administração central, às realidades culturais locais, e os seguintes aspetos: outras formas de coordenação entre os níveis competentes • A diversidade de conteúdos, expressões e em cada setor. Neste âmbito, podemos destacar conhecimentos incluídos nos programas e nas ações de experiências como as seguintes: educação cultural: diversidade de disciplinas artísticas, • Estratégias e programas culturais que integram diversidade de patrimónios e memórias nas suas a educação e a inclusão social como elementos dimensões material e imaterial, equilíbrio entre tradição e transversais, como o exemplo de sustentabilidade contemporaneidade, competências tecnológicas, etc. cultural de Galway ou o Polo cultural Totatoga de Busan. • A pluralidade de agentes e a criação de parcerias Estas iniciativas refletem uma visão alargada das políticas adequadas, com a participação de governos locais e culturais vinculadas com outras dimensões da visão de outras administrações públicas, organizações da da cidade desde uma perspetiva de desenvolvimento sociedade civil, artistas, cidadania, etc., de preferência sustentável, com especial incidência nas vertentes em parcerias permanentes e eficazes de diálogo e educativa e social. colaboração. • Criação de redes e de parcerias entre agentes • A preocupação com a acessibilidade e a inclusão social, da educação e da cultura, como as iniciativas de encarando com uma sensibilidade especial a importância cooperação concebidas ao abrigo da Carta de Cooperação de criar oportunidades para as pessoas em risco de Cultural de Lyon, que põe em contacto uma vasta rede exclusão e promovendo a sua participação ativa em de agentes culturais, educativos e sociais para fomentar ações educativas e culturais, facilitando o acesso a canais ações descentralizadas, participativas e inclusivas e para adequados de informação relativamente às oportunidades procurar atingir a igualdade de todos os cidadãos no existentes. Não é de somenos importância a criação de acesso à cultura. Outro exemplo é a rede kültürlab de mecanismos de análise e de avaliação da participação, agentes de educação e cultura promovida por Izmir no bem como dos seus resultados (com dados desagregados 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 37 Museu de Congonhas. © Câmara de Congonhas Escola dos Comuns de Dakar. © Kër Thiossane e Câmara de Dakar por género, idade, diversidade funcional, etc., em função Bibliografia da sua relevância). • CGLU 2004, Agenda 21 de la cultura. Un compromiso de las ciudades y los gobiernos locales para el desarrollo cultural, Barcelona, CGLU. Os eixos de ação e os critérios de qualidade expostos Disponível online em: http://agenda21culture.net/sites/default/files/ neste artigo constituem linhas sobre as quais a Comissão files/documents/multi/ag21_es_ok.pdf de Cultura da CGLU prevê continuar a trabalhar • CGLU 2010, La cultura es el cuarto pilar del desarrollo sostenible. Documento de orientación política de CGLU, Barcelona, CGLU. nos próximos anos. Neste trabalho, destacar-se-á, • CGLU 2015, Cultura 21: Acciones. Compromisos sobre el papel de la especialmente, a necessidade de apostar nos vínculos entre cultura en las ciudades sostenibles, Barcelona: CGLU. Disponível online a educação e a cultura para o alcance de agendas como os em: http://agenda21culture.net/sites/default/files/files/documents/ multi/c21_2015web_spa.pdf ODS e as suas respetivas transposições a âmbitos nacionais • CGLU 2018, La cultura en los Objetivos de Desarrollo Sostenible: Guía e locais. Trata-se de um processo que requer a colaboração práctica para la acción local, Barcelona, CGLU. de múltiplos agentes e a Comissão está aberta à exploração • HAWKES, J. 2001, The Fourth Pillar of Sustainability: Culture’s essential role in public planning, Melbourne, Cultural Development Network de novas alianças tanto com governos locais, como com (Vic) / Common Ground Publishing. qualquer outra organização interessada. Em particular, • IFACCA, CGLU, FICDC & EUROPE, C. A. 2013, Un Objetivo “Cultura” en desejamos aprofundar a colaboração com as cidades la Agenda de Desarrollo Post-2015. • ONU 2015, Transformar nuestro mundo: la Agenda 2030 para el educadoras para conhecer melhor as suas abordagens ao Desarrollo Sostenible, Nova Iorque, Asamblea General de las Naciones vínculo entre a educação e a cultura e poder trabalhar em Unidas. Disponível online em: https://www.un.org/ga/search/view_ conjunto para favorecer o exercício dos direitos de todas as doc.asp?symbol=A/70/L.1&Lang=S pessoas e co-construir cidades sustentáveis. 38 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Vaz Pinto Catarina rtugal ipal de Lisboa, Po nic ura da Câmara Mu readora da Cult Ve 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 39 ENTREVISTA Catarina Vaz Pinto é Licenciada em Direito pela Universidade Católica Portuguesa (UCP), Lisboa. Pós-graduada em Estudos Europeus, Colégio da Europa, Bruges. Vereadora da Cultura/Câmara Municipal de Lisboa (desde novembro 2009). Gestora cultural. Consultora independente na área das políticas e do desenvolvimento cultural, formação cultural e artística. Coordenadora Executiva do Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística/Fundação Calouste Gulbenkian (2003-2007). Consultora da Quaternaire Portugal, SA, na área de projetos e políticas culturais (2001-2005). Diretora-executiva e docente da Pós-graduação em “Gestão Cultural nas Cidades” do Instituto para o Desenvolvimento da Gestão Empresarial - INDEG/ISCTE (2001-2004). Secretária de Estado da Cultura (1997-2000). Adjunta do Ministro da Cultura (1995-1997). Co-fundadora da Associação Cultural Fórum Dança, da qual foi Diretora- executiva (1991-1995). Uma das questões que nos interessa abordar nesta Uma agenda comum deve incidir sobre a criação publicação é a complementaridade e coerência entre de competências, nomeadamente nas áreas políticas educacionais e políticas culturais a nível identificadas como essenciais: linguagens e textos; municipal. Em geral, sobre que aspetos acha que uma informação e comunicação; raciocínio e resolução agenda comum entre educação e cultura pode ser de problemas; pensamento crítico e pensamento definida num sentido amplo? criativo; relacionamento interpessoal; autonomia e Definir uma agenda comum entre educação e cultura desenvolvimento pessoal, bem-estar e saúde, sensibilidade é fundamental para a criação de cidadãos capazes de estética e artística, saber técnico e tecnologias, enfrentar uma vida em constante e rápida mudança, consciência e domínio do corpo. preparados para as necessidades de adaptação que a sociedade contemporânea exige. Como co-presidente da Comissão de Cultura da UCLG, Em Portugal, o fraco investimento na educação durante expressou o seu compromisso com a dimensão cultural mais de 40 anos de ditadura condicionou o avanço do dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ensino em todo o país. Nos últimos anos o Conservatório da Agenda 2030. Nesse sentido, como acha que a Nacional estendeu o ensino artístico integrado a outras partir das cidades, passando pela ação cultural, se escolas do país, porém o ensino artístico universal no pode contribuir para o alcance dos ODS, incluindo o sistema público escolar é, até hoje, inexistente. Objetivo 4, relativo à educação inclusiva, equitativa e Ao nível municipal as competências na área da educação de qualidade? estão limitadas ao primeiro ciclo e não incluem a Estou convicta de que uma cidade nunca será sustentável construção de currículo, determinado a nível nacional. No sem que a sua dimensão cultural seja explícita e entanto, através dos equipamentos culturais municipais operacional. É urgente tornar a cultura uma conseguimos chegar a um grande número de público dimensão chave das políticas urbanas, protegendo o to escolar com iniciativas adaptadas aos vários níveis de património, apoiando a criatividade, promovendo a Pin ensino e alinhadas com as competências chave do perfil diversidade e garantindo que o conhecimento é acessível a Vaz do aluno para o século XXI. a todos. Por outro lado, os sistemas educativos têm vindo Em Lisboa existem muitos projetos educativos de rin a mudar os paradigmas centrados exclusivamente continuidade assentes em parcerias entre equipamentos ata no conhecimento para outros que se focam no culturais (Museus, Monumentos, Teatros, Bibliotecas, C desenvolvimento de novas competências - mobilizadoras Galerias, Arquivos, etc.) e Escolas que promovem a de conhecimentos, de capacidades e de atitudes. Esta informação, o debate e a ação tendo como objetivos evolução a par com o novo “Perfil do Aluno” conferem a educação inclusiva, de qualidade e equitativa e força e oportunidade de trabalho conjunto com a a promoção de cidades abertas, multiculturais e Cultura convocando também, os mediadores culturais a sustentáveis. Constituem uma aposta no poder comprometerem-se com este referencial educativo para transformador da cultura e no seu papel estratégico que o perfil do aluno se transforme em prática. e transversal aos ODS. Na base destes projetos de 40 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 continuidade temos associado escolas com populações sensíveis (famílias desestruturadas, com reduzidos rendimentos, com baixa escolaridade, com grandes misturas étnicas) a equipamentos culturais, envolvido os elementos chave desses equipamentos, mediadores e professores, em projetos orientados por um artista convidado, tendo como base de trabalho temas polémicos e urgentes sobre os quais é preciso refletir, debater e fazer ganhar consciência. Temas como o Racismo, os Direitos Humanos, a Democracia, a Identidade, a Fronteira, são pontos de partida para o desenvolvimento desses projetos que depois têm visibilidade junto da comunidade mais alargada, da família e da própria escola através da Programa DESCOLA © José Frade apresentação pública de trabalhos feitos pelos próprios alunos. Tendencialmente estes projetos são de base territorial, beneficiando de condições de proximidade à escala global, e tem como âmbito a oferta educativa geográfica que permitem facilitar a mobilidade entre a dos equipamentos culturais da Camara Municipal de escola, o espaço público, o equipamento cultural parceiro Lisboa. e outros pontos de interesse identificados na zona. São Desta forma, fora da escola, os setores educativos dos projetos com potencial de expansão podendo atrair equipamentos culturais da CML constituem-se como mais parceiros das mesmas e de outras áreas. Também uma mais-valia para envolver alunos e professores em esta forma de trabalhar corresponde a uma dinâmica de processos pedagógicos criativos articulados com as conjugação de esforços de uma multiplicidade de atores matérias inscritas no currículo escolar, fazendo emergir que os ODS subscrevem e recomendam. formas de pensar, de sentir e de agir no âmbito das competências recomendadas para o perfil do aluno do Poderia ilustrar isso com alguns exemplos específicos século XXI. em Lisboa? Já para os públicos não escolares, o trabalho é feito Na cidade de Lisboa, a programação educativa dos maioritariamente através da ação das Bibliotecas arquivos, bibliotecas, museus, teatros, monumentos, municipais com inúmeras ações de formação nas entre outros equipamentos e projetos culturais, tem mais diversas áreas (Saúde e bem-estar, informática; efetivamente uma expressão relevante e significativa artesanato; literatura etc.) ou em projetos mais complexos na oferta educativa não formal e informal existente como o “Vidas e Memórias de Bairro”, que recolhe e na cidade. Também neste domínio, a investigação regista junto da população mais idosa as memórias e em educação tem permitido constatar o potencial documentos de outros tempos. Existem ainda exemplos que a oferta educativa da cidade pode trazer para os como a “Arqueologia de Bairro” que coloca a população processos de escolarização, permitindo enriquecer o em contacto direto com os vestígios arqueológicos trabalho pedagógico e curricular, bem como a ampliar as descobertos na sua área de habitação e revela informação oportunidades de fruição e relação com a cidade. sobre os mesmos; ou ainda a Lata 65, um projeto de arte O Programa DESCOLA, Atividades Criativas para Alunos urbana para maiores de 65 anos. e Professores, criado recentemente, é um programa É a perspetiva de um ecossistema de aprendizagem, de atividades criativas nos principais espaços culturais que pressupõe a transversalidade de espaços, de tempos municipais, sustentado na estreita colaboração entre e de conteúdos, inerentes à aprendizagem ao longo da mediadores, artistas e professores. Integra mais de 20 vida, no sentido de fazer face aos desafios do mundo agentes culturais municipais – museus, teatros, arquivos e contemporâneo e à construção da sociedade do futuro. bibliotecas. Foi concebido como um plano de ação conjunto do Pode explicar o que significa a Agenda 21 para a município de Lisboa através dos sectores educativos da Cultura, para Lisboa? Direção Municipal de Cultura e da EGEAC em parceria Lisboa subscreveu os compromissos da Agenda 21 para a com o UIED - Unidade de Investigação em Educação Cultura desde o início. A emergência em encarar a Cultura e Desenvolvimento da Universidade Nova de Lisboa. como uma dimensão fundamental do desenvolvimento Resulta de um trabalho de prospeção local dos vários sustentável e a de uma visão transversal encontra equipamentos culturais, da sua ponderação num contexto resposta prática nos princípios e programas promovidos mais vasto de constrangimentos e oportunidades pelo Comité de Cultura da CGLU. 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 41 DESCOLA O projeto nasceu em 2012 pelas mãos de Laura Seixo O DESCOLA é uma provocação para todos os que concebem Rodrigues que, depois de trabalhar dez anos em arquitetura, a educação como um ato de liberdade. Resultado do trabalho decidiu mudar de ramo e dedicou-se à arte urbana, com o conjunto e da aposta continuada da Câmara Municipal de festival WOOL. Aqui, foi quando se apercebeu que os mais Lisboa na dimensão educativa do património cultural e artístico idosos eram quem mostrava mais curiosidade em relação aos da cidade, este programa de atividades reflete a vontade de graffitis e ao trabalho dos artistas. Isto, aliado às notícias de o fazer chegar a todos, e ao longo da vida, como fonte de solidão e tristeza da população idosa, foi a chama que acendeu inspiração e sentido de pertença. Dirigido especificamente ao o Lata 65. público escolar, o DESCOLA representa um desafio assumido Os “workshops de arte urbana para idosos” desenvolvem-se pelas equipas educativas municipais, da EGEAC e Direção em duas lições: a primeira é teórica, e gira em torno da história Municipal da Cultura, no sentido de desenvolver um programa da arte urbana, enquadramento histórico do grafiti e das suas de atividades criativas sustentado em colaboração estreita com técnicas, como tag e stencil; a segunda é prática e volta-se mediadores, artistas e professores. para a construção de stencils que serão depois pintados pelos As atividades propostas pelo DESCOLA – alinhadas, participantes, juntamente com os tags e graffitis vários, numa repensadas e criadas de raiz –, tiveram sempre o Perfil do Aluno parede reservada. do séc. XXI como referência, e o património cultural e artístico Os grafiteiros são incentivados a pintar e desenhar o que de Lisboa como campo de pesquisa, de questionamento e de quiserem – flores, nomes, caras – sendo que a missão é criatividade. familiarizá-los com a arte urbana, e mostrar-lhes que são No DESCOLA estão mais de vinte agentes culturais municipais capazes de sair da sua zona de conforto e fazer coisas novas e – museus, teatros, arquivos e bibliotecas – que acreditam na inusuais para a sua faixa etária. força educativa das artes e da cultura e querem participar, com Os workshops organizados pelo Lata 65 foram tão bem professores e alunos, na construção de escolas que se afirmem recebidos que o projeto, além de várias edições em Portugal como comunidades de aprendizagem, abertas e interventivas. e Ilhas, teve já edições internacionais, indo a São Paulo ou ao Texas. Mimos e livros à mão de semear Um dos mais recentes projetos do coletivo Lata 65 foi com Mimos e livros à mão de semear é um projeto que sensibiliza as a National Geographic, que se associaram para criar uma famílias para a importância das histórias, lengalengas, rimas e “Genius: Picasso’s Street” sob o mote #GénioNãoTemIdade, canções de embalar no desenvolvimento cognitivo e psicomotor uma iniciativa que convidou cerca de 25 idosos de várias das crianças até aos 36 meses. instituições com o objetivo de mostrar a todos que nunca é Sabemos que mães, pais e cuidadores sabem bem quão tarde para continuar a criar, numa clara inspiração daquele que especiais e únicas são as suas crianças. Neste projeto foi considerado um dos maiores artistas do século XX, e que até podemos apoiá-los a entender melhor essas especificidades aos 91 anos de idade criou obras de arte reconhecidas em todo e o desenvolvimento de cada criança, nas diferentes fases de o mundo. crescimento e aprendizagem. Mais do que contar histórias, este projeto fornece ferramentas Museu Bordalo Pinheiro para a leitura partilhada. E nunca é demasiado cedo para As atividades do Museu abrangem todo o tipo de públicos, partilhar uma história. Inicialmente os bebés apenas ouvem proporcionando visitas informais, temáticas, oficinas, atentamente a voz de quem conta, concentrando-se na cara, e cursos, tertúlias, apresentações, espetáculos. Convidamos alguns meses depois já os conseguimos encorajar a identificar à interpretação do significado histórico e artístico da obra imagens e a balbuciar palavras. bordaliana e à compreensão dos valores que lhe estão O nosso projeto em 4 frentes: subjacentes: a cidadania consciente e o pensamento crítico – 1. A ções de sensibilização à leitura sempre com o humor em pano de fundo. São 10 sessões dirigidas a bebés dos 9 aos 36 meses, Estes valores, fundamentais na obra de Bordalo, constituem acompanhadas por um adulto especial. Acontece aos um dos mais sérios desafios propostos pela educação sábados de quinze em quinze dias. contemporânea. Assim, para as escolas, e em articulação com 2. C lube à Roda dos Livros os objetivos curriculares vigentes, existe um subconjunto de Tem como objetivo sensibilizar para outras práticas atividades que aposta na interdisciplinaridade com as artes artísticas e culturais, como a música, a dança, o teatro, etc. visuais, a literatura, a música, o ambiente, a filosofia, a ética, o 3. L er em Família humor, a etnografia. O programa Ler em Família disponibiliza sacos temáticos As visitas, oficinas e ações de formação para o público escolar com livros de diversos géneros e suportes. Cada saco visam, finalmente, criar pontes e estreitar relações com o contém 4 livros e uma receita médico literária. Museu, estimulando a aquisição de competências pessoais que 4. P ontes de Leitura valorizem a criatividade, a autonomia, o pensamento crítico e a Um site que agrega vídeos com histórias, sugestões de liberdade de expressão. Afinal, tudo faz parte desse lugar pleno leituras e ideias de ateliês para fazer em casa. de originalidade e talento que é o universo de Bordalo. O Museu tem uma atividade regular de Oficinas, cursos, visitas Lata 65 e conversas que a partir da obra de Bordalo Pinheiro promovem Lata 65 é um projeto que tem como objetivo aproximar os mais a criatividade e convidam à participação de crianças, jovens, velhos a uma forma de expressão artística que é associada aos adultos e famílias como por exemplo a oficina de Botânica e mais jovens: a arte urbana. Um dos objetivos principais do Lata Zoologia (ilustração científica), de pintura de azulejo ou de 65 é também contrariar o estigmas e preconceitos para com a desenho e diário gráfico. terceira idade, quer estes partam de ”nós” ou “deles”. 42 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Assim, a Agenda 21 para a Cultura foi integrada nas e recursos, Direção Municipal de Cultura e a empresa políticas culturais da cidade, estando neste momento a municipal para a gestão de equipamento culturais terminar o programa Cidade-Piloto - Cultura em Cidades (EGEAC), a estratégia para esta área é resumidamente Sustentáveis1. A definição das “Estratégias para a cultura a de explorar as potencialidades educadoras na cidade de Lisboa 2017” teve explicitamente como da programação cultural da cidade, através dos enquadramento base a Agenda 21 para a Cultura. equipamentos e serviços culturais já existentes (Museus, Incorporar este documento na ação do pelouro da Teatros, Arquivos, Bibliotecas etc.). Ou seja, os seus Cultura em Lisboa foi natural pois constatámos que já serviços educativos em relação com cada um dos seus estávamos a desenvolver projetos que concretizam os públicos e os públicos escolares em particular. compromissos constantes da Agenda 21 para a Cultura. A reunião desses projetos sob um discurso estruturado Como tem sido abordada a governança da educação e realça a sua importância e resultados de um conjunto da cultura, na perspetiva do diálogo e da coordenação estratégico. Constatamos ainda que a Agenda 21 para a entre diferentes áreas do governo local? Cultura é um importante instrumento de consenso entre O reconhecimento da importância da oferta educativa dos as várias cidades a nível global, estabelecendo padrões equipamentos culturais na promoção da história da cidade mínimos, e atenuando a descontinuidade característica de Lisboa, na afirmação do sentimento de pertença a dos ciclos políticos ao nível local. uma comunidade de diferentes culturas, na compreensão e valorização da presença da cidade no mundo e na Em 2017, Lisboa adotou uma nova Estratégia para expressão afetiva por Lisboa, evidenciou a necessidade de a Cultura, seguindo um processo participativo. Qual o um trabalho continuado, de reflexão e de requalificação papel da dimensão educacional nessa nova Estratégia? desta área de desempenho profissional. Dentro do quadro de responsabilidades e competências Este trabalho pioneiro, iniciado em abril de 2014, do Pelouro da Cultura, e das orgânicas operacionais e que deu origem ao projeto DESCOLA, no seio da Direção Municipal de Cultura, teve como resultado o desenvolvimento de novos e reinventados programas educativos, e a constituição de uma comunidade informal 1. Este programa, lançado pela Comissão de Cultura de CGLU, permite às de reflexão composta pelos profissionais que concebem cidades participantes converterem-se em “Cidades Piloto” da Agenda 21 e põem em prática a referida programação municipal, da cultura e participar num processo de aprendizagem, de construção de bem como equipas educativas de instituições culturais de capacidades e de fortalecimento da sua conetividade a partir dos princípios e ações incluídas em Cultura 21 Ações. referência da cidade de Lisboa. Projeto Lata 65 © H. Cardoso Dia de portas abertas, Museu do Aljube © José Frade 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 43 Esta comunidade informal tem trabalhado na investimento nessa matéria. São obstáculos para o desen- criação de novos públicos, novas práticas de trabalho volvimento de uma agenda comum: integrado, relacional e em rede, o que tem permitido • O foco excessivo nos territórios de responsabilidade uma aprendizagem e atualização regular dos seus e intervenção dos agentes educativos de cada área; profissionais, com largos benefícios para os públicos o professor excessivamente focado na informação com os quais interagem e para quem a oportunidade de implícita no currículo; o mediador excessivamente participação é reforçada. focado na sua narrativa institucional. Por isso estamos O público escolar constitui uma preocupação de muitos a fomentar os espaços de diálogo e de colaboração dos equipamentos, procurando os serviços educativos entre os professores e os mediadores culturais para despertar o prazer de pensar critica e criativamente apostar em conteúdos de interesse comum e a promover e estimular a capacidade de fruição das diferentes encontros e ações de formação que estimulem novos realidades culturais de forma informada, em articulação posicionamentos, valores e atitudes nas práticas com os programas curriculares do ensino formal. pedagógicas em contextos formais e não formais. • A falta de tempo, de recursos humanos e financeiros Quais são os desafios ou dificuldades que se observam para deslocar os jovens da escola aos equipamentos a este respeito? culturais; daí que se esteja a investir na disponibilização No geral a maior dificuldade é conseguir o de autocarros – Passaporte Escolar – para a deslocação reconhecimento do valor e contributo da cultura pelas das crianças e jovens até aos 9/10 anos e a implementar restantes áreas de intervenção municipal. É esse o nosso o passe estudante gratuito para estimular a realização papel, o de sensibilizar com resultados que espelhem de atividades fora da escola através de transportes objetiva e subjetivamente os benefícios de uma ação em públicos. que a dimensão cultural é tida em linha de conta. Isto é • A falta de informação organizada de forma clara e tanto mais relevante numa área em que a os objetivos eficaz para que o professor possa escolher o que lhe são tão coincidentes e complementares como é o caso da interessa e o possa fazer a partir de uma base alargada Cultura e da Educação. e interessante de escolhas possíveis. Por isso se está a investir numa melhor sistematização e acessibilidade da Como promover uma agenda comum e procedimentos informação, designadamente em suportes digitais. de trabalho que vinculem o conjunto de atores culturais Quanto aos públicos não escolares, a maior dificuldade e educativos envolvidos? é a de chegar junto daqueles que, por razões económico- Não é fácil mas é possível e está a ser feito um grande sociais diversas não têm hábitos de consumo ou de Sensibilização à leitura Dia de portas abertas, Museu do Aljube © José Frade 44 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Dia de portas abertas frequência de espaços físicos de cultura. Esta condição como são exemplos “Lisboa Islâmica” e “Lisboa Romana” constitui uma barreira no sentido em que o potencial e, na perspetiva da promoção de uma cidadania público-alvo não está disponível para receber informação, consciente e informada face às problemáticas ambientais viver novas experiências, descobrir novos equipamentos. atuais, trabalhar a partir da cultura as questões do ponto Em Lisboa temos uma perspetiva de trabalho ativo neste de vista ambiental “Lisboa, Capital-Verde 2020”, entre campo, ou seja, de irmos ao encontro do público. No outros. entanto, na prática esta é uma tarefa que se revela difícil. Estimular a fruição das experiências culturais na vida Como consequência, os frequentadores de atividades das pessoas, não apenas ao nível da educação formal, culturais, nomeadamente da oferta educativa, têm mas igualmente em termos de desenvolvimento de tendência a manter-se. competências variadas numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida. Por outro lado, há que apontar que a nível dos agentes responsáveis pelas políticas culturais e educativas já se Existe algum conselho ou “lição aprendida” com a está a fazer um esforço importante para a articulação sua experiência que acha conveniente partilhar com intersectorial no intuito de evitar sobreposições e outras cidades que pretendam trabalhar numa linha redundâncias e integrar projetos soltos e isolados semelhante? em estratégias comuns com ganhos de coerência e Uma das principais dificuldades a ultrapassar é a consistência. tendência para se considerar as atividades culturais propostas pelas entidades/instituições/municípios apenas Que aspetos pensa que serão fundamentais para a como atividades recreativas e de lazer. Este equívoco é, dimensão educativa e cultural de Lisboa nos próximos muitas vezes, reforçado pelo caráter casuístico e parcelar anos? de algumas das propostas culturais, não integradas em Promover uma maior relação entre os equipamentos planos estratégicos consistentes. O ultrapassar desta culturais e potenciar o triângulo “cultura-educação- situação passa por aprofundar o entendimento do aprendizagem” através de projetos com efeitos impacto do envolvimento cultural dos indivíduos, através transformadores e que produzam impactos a longo prazo de investigação sólida, e pela consequente adoção de nos indivíduos, comunidades e na sociedade como um uma abordagem estratégica, orientada por objetivos e todo. centrada nas competências específicas a desenvolver Conceber programas pedagógicos eficazes que pelos participantes do ponto de vista da investigação e potenciem o conhecimento e a ligação afetiva à cidade reflexão educativas. O desenvolvimento deste tipo de 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 45 Programa DESCOLA © José Frade abordagens enquadra-se no reconhecimento de que a vez da sua função tradicional de “locais de transmissão”. inter-relação entre contextos educativos formais, não- Relativamente a esta segunda dificuldade, e no que se formais e informais constitui um desafio fundamental na refere sobretudo aos mais jovens, a tecnologia pode contemporaneidade. potenciar novas formas de interagir com a cultura, de Uma outra dificuldade a ultrapassar é a diminuta modos mais ativos e intervenientes. participação de públicos de determinadas faixas etárias No que diz respeito à oferta cultural para o público e provenientes de meios socioculturais mais distantes escolar, a oportunidade de reforçar a relação entre o da cultura dita erudita. A ausência dos públicos mais trabalho de educação feito nos serviços educativos diversos só se reverte verdadeiramente transformando municipais e no âmbito das escolas dos ensinos básico as instituições culturais em locais nos quais se inventa e secundário implica o envolvimento de processos uma “experiência do comum” (de conceção e criação) em formativos dos professores e dos mediadores culturais. 46 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 eonardo Garzón L rtiz do Programa O ordenador Colômbia ca de Bogotá e Co 015 e 2019, ra Filarmóni de Bogotá entre 2 t sessor da Orques rtes As tuto Distrital das A EA do Insti CR 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 47 ENTREVISTA Licenciado em Pedagogia Musical e Mestre em Docência Universitária pela Universidade Pedagógica Nacional. A sua atividade musical desenvolveu-se, fundamentalmente, na área da música andina colombiana, destacando-se como intérprete de bandola andina, maestro e arranjador. Foi coordenador do programa de Música da Faculdade de Artes da Universidade Distrital Francisco José de Caldas, coordenador da componente de formação do Plano Nacional de Música para a Convivência do Ministério da Cultura, diretor artístico do Música de Bogotá entre 2008 e 2012 e assessor para a Educação Artística da Secretaria da Educação Distrital de Bogotá e do Ministério da Cultura. Coordenador do Programa CREA do Instituto Distrital das Artes de Bogotá entre 2015 e 2019. Atualmente, desempenha o cargo de assessor da Orquestra Filarmónica de Bogotá e é responsável pelo programa escolar de formação musical nas escolas distritais. Há anos que Bogotá promove, e de forma muito responsabilidade do setor da educação. Por conseguinte, significativa, uma oferta variada e bastante extensa o programa Jóvenes Tejedores deixou de existir. Por outro de acesso e participação ativa na cultura desde a lado, em 2005 o IDCT eliminou a Subdireção Académica, educação formal e não formal. Pode explicar-nos que na qual se geriam os programas de educação superior aspetos do contexto da cidade levaram à promoção em música, artes plásticas, teatro e dança, e estes foram deste tipo de políticas? entregues à Universidade Distrital, que criou a Faculdade É verdade que desde os anos 50 a Câmara de Bogotá tem das Artes. Nos anos seguintes, não foram levados a cabo desenvolvido programas de formação em artes. Entre programas de formação em artes. 1950 e 1960, a Secretaria da Educação do Distrito criou Em 2012, teve início o terceiro governo de esquerda de várias escolas de educação informal dedicadas a dar Bogotá, encabeçado pelo presidente da Câmara Gustavo formação na área da música tradicional colombiana, em Petro, desmobilizado desde 1990 do grupo guerrilheiro teatro, artes plásticas e dança, que foram assumidas pelos Instituto Distrital da Cultura e do Turismo (IDCT), criado Exposição do programa Crea, dezembro de 2018, Biblioteca Virgilio em 1978. Estas escolas converteram os seus programas Barco em programas de educação superior que, entre 1992 e Garzón 2005, funcionaram como uma parceria entre o IDCT e a Universidade Distrital. Outro antecedente significativo foi o programa Jóvenes Tejedores de Sociedad [Jovens Tecedores de Sociedade], que decorreu entre 1998 e 2001 e convocava os jovens eonardo para desenvolverem projetos de qualificação técnica nas L diferentes linguagens da arte. Este programa nasceu na esteira de algumas políticas de democratização das práticas culturais que já tinham demonstrado avanços iz significativos, como o Festivales al Parque [Festivais Ort no Parque], que teve início em 1995. A ideia era que os jovens da cidade, especialmente os menos privilegiados, pudessem aceder a uma formação técnica nalgumas disciplinas artísticas e que, a partir daí, identificassem possíveis projetos profissionais. A partir de 2001, com a mudança de administração e em articulação com as políticas nacionais, as entidades do setor da cultura afastaram-se das ações de formação artística por entenderem que estas deveriam ser da 48 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 M19. Propôs o início de uma transformação de fundo das políticas para a educação pública da cidade, partindo de duas estratégias: (1) a ampliação da jornada escolar para oito horas diárias e, consequentemente, o início da passagem para um modelo de jornada única, e (2) a inclusão de três conteúdos obrigatórios nos novos tempos: arte, desporto e formação em cidadania. Parte desta responsabilidade foi atribuída às entidades do setor da cultura: a arte, ao Idartes1 e à Orquestra Filarmónica; o desporto, ao Instituto Distrital de Recriação e Desporto; e a cidadania, ao Instituto Distrital do Património Cultural. Foi neste contexto que nasceu o programa CREA que, no início, se chamava Clan, como resposta do Idartes a Festival Crea, outubro de 2018, Parque Simón Bolívar este mandato do Plano de Desenvolvimento Distrital2, assumindo a tarefa de oferecer formação artística às crianças das escolas públicas da cidade, que aderiram à política da jornada única. Foi a primeira vez que se • Arte en la Escuela: dirigida a crianças das escolas reuniram as condições necessárias para concretizar o públicas. O propósito desta linha estratégica é recuperar desejo de muitos artistas e organizações de introduzirem o espaço da arte na noção de formação integral e numa a formação artística no âmbito da formalidade da escola. conceção do desenvolvimento humano. Baseia-se numa O programa Clan surgiu como uma excelente oportunidade articulação com os currículos escolares e os seus planos para as escolas, uma vez que, além de oferecer uma de estudo. O processo formativo do Arte en la Escuela formação artística de alto nível, com maior intensidade abrange as sete áreas artísticas. Cada escola determina horária e ministrada por artistas profissionais, criou as o número de crianças que deverão participar na infraestruturas necessárias para a poder levar a cabo. formação, o lugar onde a receberão (em 60% dos casos, Abriram-se os Centros Locales de Artes para la Niñez y la será nas escolas; nos restantes 40%, nos Centros Crea) Juventud – Clan [Centros Locais de Artes para a Infância e e as áreas artísticas. Conta-se com gestores pedagógicos a Juventude] dedicados às crianças das escolas públicas. e territoriais contratados pelo Crea para estabelecer o O programa implementou-se de modo ininterrupto desde diálogo específico com cada escola e para coordenar o segundo semestre de 2013. as ações pedagógicas em articulação com o projeto Em 2016, a administração mudou e o programa foi pedagógico e os pormenores da operação. O acordo com reajustado a três linhas estratégicas: Arte en la Escuela a Secretaria da Educação contempla que o programa se [Arte na Escola], Emprende [Empreende] Crea [Cria] dirija a crianças de todos os níveis do Ensino Básico, ou e Laboratório Crea, com o propósito de ampliar as seja, com idades compreendidas entre os 6 e os 17 anos. populações beneficiárias dos programas de formação A grande maioria destes beneficiários pertencem aos artísticas e, consequentemente, diversificar as abordagens estratos socioeconómicos 1, 2 e 33. Nalgumas escolas foi da formação. Por outro lado, passou a designar-se Crea. possível manter grupos minimamente estáveis durante vários anos, o que permitiu que, nos primeiros níveis, se Quais são os principais eixos e áreas de intervenção do garantisse uma rotatividade por diferentes linguagens programa Crea? artísticas, e que no 5º e 6º anos os alunos escolhessem a Atualmente, o programa trabalha com sete linguagens linguagem pela qual sentissem maior afinidade. Em 2018, diferentes: arte dramática, artes eletrónicas, artes o programa abrangia 92 escolas e uma população de plásticas, audiovisuais, dança, literatura e música. 46.000 beneficiários. Desenvolve três linhas estratégicas: • Emprende Crea: convoca crianças e, especialmente, jovens dos bairros da cidade, a aderirem a uma prática artística com o objetivo de a considerarem uma oportunidade para o seu projeto de vida. Desenvolve uma 1. O Idartes é o Instituto Distrital de las Artes de Bogotá [Instituto Distrital das Artes de Bogotá], criado segundo o Acuerdo 440 de 24 de junho de 2010 do Conselho de Bogotá como entidade pública do setor da Cultura, Recreação e Desporto. Ver: https://www.alcaldiabogota.gov.co/sisjur/ normas/Norma1.jsp?i=39887 2. A palavra “distrito” no contexto de Bogotá refere-se à cidade no seu todo 3. O governo colombiano segue um critério de estratificação da habitação e não a partes da mesma e, por conseguinte, as políticas, ações ou entidades urbana e rural como indicador de qualidade de vida e pelo qual se rege para distritais abrangem toda a cidade. Segundo o último censo, Bogotá, em 2018, a aplicação de diversas políticas sociais. Ver: https://www.dane.gov.co/files/ conta com 8.081.000 habitantes. geoestadistica/Preguntas_frecuentes_estratificacion.pdf 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 49 Mostra Crea, agosto de 2018, Biblioteca Virgilio Barco Mostra Crea, novembro de 2018, Biblioteca Virgilio Barco abordagem pedagógica centrada nos projetos artísticos, individual e coletiva, possibilitar a restituição de direitos que incluem uma formação técnica de alto nível, uma para estas populações vulneráveis ou o bem-estar de exposição permanente às ações itinerantes e à gestão populações com necessidades especiais a partir da que tal implica e ao envolvimento das famílias. O acesso prática artística e, em particular, da prática criativa. Em dos beneficiários é totalmente livre, basta que a criança 2018, beneficiaram deste programa 2.370 pessoas. ou o jovem manifestem o seu desejo de participar e que haja vaga na área escolhida para poderem dar início Como é que o programa se insere nos objetivos da à sua formação. Há muita flexibilidade na aceitação cidade em matéria de educação e de cultura? das crianças e dos jovens em grupos mais ou menos Os objetivos do setor da cultura são levados a cabo, em constituídos e que se integrem nos processos de criação. articulação, pela Secretaria, o Idartes e o programa Crea Há três modalidades. Uma é Manos a la Obra [Mãos à e, através da sua implementação, garantem-se os direitos Obra], pensada para crianças que ainda não sabem que culturais a uma população muito significativa pela sua prática artística escolher. Também se admitem jovens quantidade (quase 60 mil, por ano, nos últimos três anos) e mesmo adultos, e levam a cabo projetos criativos e pelas suas características: crianças, que não costumam de curta duração, de tal maneira que os beneficiários ser alvo deste tipo de atenção por parte do Estado; jovens possam ir experimentando diferentes linguagens. que se encontram em processo de construção dos seus A média é de 6 horas por semana. Outra é Súbete a projetos de vida; e população vulnerável, especialmente, la Escena [Sobe ao Palco], dirigida a beneficiários que adultos, o que corresponde a uma prioridade não só do já sabem que área artística pretendem desenvolver e setor da cultura, como também das políticas sociais da já fazem parte de grupos artísticos ativos. Tem uma cidade. duração de 8h por semana. E Grupos Metropolitanos, Em relação às políticas de educação, o programa Crea uma seleção de crianças e jovens mais desenvolvidos vai ao encontro da prioridade nacional e distrital de artisticamente falando e mais comprometidos, também, implementar o modelo de jornada única e da proposta provenientes de diferentes centros de formação. pedagógica da Secretaria da Educação do Distrito, Concentram-se na criação de produções de alto alicerçada em seis tipos de saberes, por sua vez nível profissional e artístico que são a vanguarda do associados a diferentes campos de conhecimento: saber programa. Atualmente, conta com grupos metropolitanos criar (arte e cultura), saber experimentar (ciência e de dança, teatro e audiovisual. Em 2018, beneficiaram tecnologia), saber comunicar (oralidade, leitura, escrita e destes programas 8.000 jovens da cidade. segunda língua), saber cuidar-se (desporto e atividades • Laboratório Crea: dirige-se a adultos, sobretudo, recreativas), saber viver e partilhar em comunidade com características particulares: sem-abrigo, pessoas (cidadania e convivência) e saber compreender privadas de liberdade, idosos, pessoas com deficiências, (competências básicas), sendo todas elas linhas crianças e jovens com capacidades diversas, grupos interdisciplinares para a aprendizagem. de população afro, grupos indígenas, grupos LGBTI, mulheres sob medidas de proteção especial, No seu entender, qual é o contributo dos artistas e dos adolescentes internados em centros educativos, vítimas criadores para os processos educativos? do conflito armado, entre outras. O objetivo desta linha Tendo em conta que o Idartes é uma entidade que estratégica é apoiar processos de reparação simbólica implementa políticas e ações de fomento das artes na 50 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 cidade e não uma instituição educativa, os programas entre as diferentes secretarias da administração de formação que desenvolve formulam-se desde esta distrital? Quais foram os principais desafios? perspetiva. Por isso, decidiu-se designar os agentes Devido ao propósito inicial do programa, o aliado mais formativos como Artistas Formadores. Pretende-se que importante é a Secretaria da Educação Distrital. A sejam artistas no ativo com formação superior na área aliança tem dois cenários, um no qual as duas entidades artística correspondente (quase todos contam com um partilham as metas do plano de desenvolvimento e, cada diploma profissional) e com experiência comprovada em uma com os seus próprios recursos, executam as ações processos criativos e formativos. Apesar das diferentes necessárias para o cumprimento das mesmas. Por outro abordagens de cada uma das linhas (Arte en la Escuela, lado, ambas as entidades assinaram convénios em 2013 Emprende Crea e Laboratório Crea), procura-se garantir e 2017 através dos quais a Secretaria da Educação se experiência criativas nos diferentes grupos, modelos, comprometeu a disponibilizar recursos adicionais para níveis e abordagens. aumentar a cobertura do Idartes. Nos dois cenários Para levar a cabo esta intervenção, a ação formativa leva-se a cabo um intenso e permanente trabalho de assenta nos seguintes âmbitos epistemológicos da arte: uniformização de conteúdos, abordagens da formação e • A Sensibilidade Estética, entendida como um desenvolvi- de inserção das artes nos projetos educativos em cada mento da perceção e uma compreensão dos elementos uma das escolas. Foi possível transformar, de modo emocionais que a relação imediata com o mundo externo significativo, os imaginários tradicionais das artes no oferece como experiência sensorial. Ao reconhecer ditos contexto escolar associado ao entretenimento para o elementos, as sensações e as emoções, evidencia-se a tentar compreender como uma área de conhecimento capacidade de nos sentirmos a nós mesmos. essencial para o desenvolvimento cerebral e emocional • A Expressão Simbólica, que diz respeito à capacidade das crianças e para a construção de cidadanias. de converter o conteúdo emocional e sensorial num Estabeleceu-se um vínculo com a Secretaria da Inserção processo criativo a partir das linguagens da arte: o som, Social, responsável pela formulação e implementação o movimento, a expressão visual, a cor, a personagem, o de políticas públicas populacionais orientadas para o texto, a imagem. exercício de direitos, a inclusão social e a melhoria da • O conhecimento das artes nos seus elementos teóricos qualidade de vida das populações mais vulneráveis. Com e nos seus contextos. A prática artística deve poder esta entidade, recebem-se: combinar os elementos práticos da criação com os • Crianças em condições de vulnerabilidade pertencentes elementos teóricos que dão conta das construções aos Centros Amar e aos Centros Crecer [Centros concetuais de cada prática e dos sentidos sociais e Crescer]; culturais da mesma. Neste sentido, explicam-se as • Jovens beneficiários das Casas de Juventud [Casas ligações de cada uma das obras com o património, da Juventude], com programas de formação e criação bem como o sentido das suas diferentes expressões na artística sob a perspetiva do empreendimento juvenil; construção de subjetividades individuais e coletivas. • Idosos nos seus Centros de Atención [Centros de Dia]; • O desenvolvimento de aptidões e de competências: • Sem-abrigo dos Hogares de Paso [Centros de Apoio] entende-se a prática artística como uma experiência disponíveis para esta população. que opera transformações no modo como o corpo se Foi assinado um convénio em 2018 com a Secretaria da relaciona com os elementos expressivos da arte. Segurança, Convivência e Justiça, responsável pela Prisão • O desenvolvimento do pensamento criativo entendido Distrital e vários centros de detenção para adolescentes como capacidade de dar respostas pouco habituais, do Sistema de Responsabilidade Penal Adolescente SRPA. imprevistas e novas a situações particulares da vida Para estas populações foram desenvolvidos processos de quotidiana, o que favorece o pensamento fora do formação e criação focados na reorientação de projetos comum e conduz a novos modos de apropriação do de vida. saber. Relativamente aos dois últimos casos, integração Esta abordagem pedagógica pretende que a iniciação social e segurança e convivência, as alianças incluíram à prática artística modifique de modo substancial as a disponibilização de recursos para o programa Crea formas de construção de conhecimento e proporcione que permitiram a contratação de artistas formadores às populações beneficiárias noções sobre si mesmas adicionais e com perfis específicos para as suas que redundem em expressões de cidadania centradas na populações particulares, o que permitiu a construção de autonomia, no pensamento crítico e na liberdade. propostas pedagógicas muito focadas em cada população e na missão das entidades sociais. Do ponto de vista da governança, e tendo em conta que o programa aborda aspetos culturais, educativos E quanto à relação com associações de cidadãos, e sociais, entre outros, como se estruturou a relação organizações culturais independentes, artistas, etc., há 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 51 alguns aspetos que tenham sido cruciais para o êxito e o exercício de direitos relacionados com a criação do programa? artística. Os programas Emprende e Laboratório são O programa assinou convénios com entidades privadas da inteira responsabilidade do Idartes, cuja autonomia sem fins lucrativos que contribuem para a implementação possibilita interessantes oportunidades de crescimento da formação, particularmente no Arte en la Escuela, e de criação de uma política que dê sustentabilidade ao no qual se desenvolve a proposta pedagógica do programa. programa Crea com o contributo pedagógico de cada • Modelo de gestão muito próprio do programa. organização. Atualmente, este modelo está estruturado em seis Para as atividades itinerantes (festivais, mostras, componentes: publicações, entre outras) e de investigação, – Desenvolvimento pedagógico estabeleceram-se alianças com este tipo de entidades, – Gestão territorial que contribuem com recursos próprios e com a sua – Itinerância capacidade de gestão e a sua experiência neste tipo de – Infraestrutura programas. – Desenvolvimento tecnológico – Administrativo Pode explicar-nos como evoluiu o programa ao longo Este modelo é fruto de reflexões e reajustamentos dos anos? permanentes na gestão, resultados e projeção do As adaptações do programa dizem respeito, sobretudo, a: programa. • Linhas especialmente dirigidas às crianças das escolas • Artes eletrónicas e projetos interdisciplinares: foi criada públicas de diferentes populações. Embora, inicialmente, uma área de conhecimento que favorece uma relação o programa tenha sido adaptado aos currículos das criativa entre a arte, a ciência e a tecnologia e pretende escolas, tornou-se evidente que era interessante chegar gerar interseções criativas e estéticas com outras áreas a outro tipo de beneficiários que exigiam oportunidades de conhecimento. Mostra Crea, agosto de 2018, Biblioteca Virgilio Barco 52 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 • Flexibilização dos modelos pedagógicos: o programa jovens e converteu-se numa expetativa para os grupos começou com um modelo adaptado ao início da populacionais adultos. Da mesma forma, a noção de um implementação, baseado na apropriação de elementos apoio diferencial não se deve aplicar só ao laboratório, mas técnicos de cada uma das linguagens e na criação de também às escolas e a diferentes projetos comunitários. certos conteúdos com ditos elementos. Pouco a pouco, Atualmente, há 20 centros de formação, situados em o programa foi aprofundando a reflexão pedagógica, 11 das 20 localidades4 da cidade. 18 deles são edifícios, na tentativa de dar uma resposta adequada às colégios privados desativados ou armazéns arrendados particularidades de linha estratégica, área artística e nos quais se levou a cabo uma intervenção de adequação contexto. e manutenção. Os outros dois são imóveis cedidos por outras entidades públicas que não geram custos adicionais Quais são os objetivos futuros de Bogotá para de adequação e manutenção. Encontram-se em processo dar continuidade a este trabalho? Estão previstas de construção dois projetos que darão ao programa Crea mudanças substanciais? os primeiros imóveis próprios, especificamente concebidos No dia 31 de dezembro de 2019, a administração da para a formação e a criação artísticas. Pretende-se que cidade mudou e o investimento no plano terminará no o próximo plano de desenvolvimento dê continuidade a dia 30 de junho de 2020. Em 2016, definiram-se metas ações que possam contar com infraestruturas do Idarte que têm vindo a ser cumpridas de modo satisfatório e para o desenvolvimento do programa. que dotarão a cidade de um programa muito fortalecido, com uma enorme apropriação por parte dos cidadãos e Há algum conselho ou “lição aprendida” a partir da com melhores condições no âmbito institucional, como a sua experiência que entenda que deve partilhar com criação da Subdireção da Formação Artística dentro do outras cidades que pretendam desenvolver programas Idartes, que confere sustentabilidade ao programa e a semelhantes? outras ações de formação artística. O programa Crea representou, para o Idartes, um grande Há uma intenção de reformular as linhas estratégicas desafio em termos de gestão e de política. Entre as do programa para que a nova administração e o seu maiores aprendizagens, vale a pena destacar: correspondente plano de desenvolvimento deem continuidade ao programa e este continue a dar a melhor resposta possível às necessidades da cidade. Esta mudança pretende que as noções de empreendimento e 4. O termo “localidade” no contexto de Bogotá refere-se à divisão política e de apoio diferencial a grupos populacionais se convertam administrativa da cidade. Na atualidade, Bogotá conta com 20 localidades. Ver: http://www.bogota.gov.co/localidades/mapa. O programa Crea tem em abordagens transversais, pois a necessidade de 20 centros de formação situados em 11 das 20 localidades. Ver: https://sif. concretizar projetos produtivos transcende a intenção dos idartes.gov.co/sif/public/ Festival de teatro Festicreadores, setembro de 2018. Concerto final, novembro de 2018, Biblioteca Virgilio Barco 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 53 • A implementação de um programa destas características qual o programa levou a cabo ações muito decididas requereu uma vontade e uma decisão política que resultaram em dita apropriação. Os beneficiários que possibilitou superar as barreiras do diálogo do programa (crianças, jovens e adultos) desenvolvem interinstitucional. Caso contrário, tudo teria sido muito um grande afeto por ele, pelos seus artistas pelos mais demorado. espaços e, fundamentalmente, pela oportunidade de • Foi muito importante ter a visão necessária para incorporarem a arte nas suas vidas. Para as famílias foi expandir o programa a diferentes tipos de população, uma experiência altamente satisfatória, pois evidenciou procurando articulá-lo com diversos projetos políticos o enorme poder da arte para aumentar a autoestima das da cidade: de educação, integração social, saúde, suas filhas e dos seus filhos ou familiares, para dar valor segurança, entre outros. à criação e para envolver os integrantes das famílias • Um dos fatores que contribuiu para o êxito do programa neste tipo de atividades. foi a promoção de uma solução com infraestruturas próprias. Embora, como se explicou aqui, as atuais Qual foi o impacto do projeto nos diversos grupos não pertençam ao Idartes, conferem autonomia beneficiários: crianças nas escolas, jovens e grupos relativamente às convocatórias, à sua implementação, à vulneráveis? gestão dos tempos e dos espaços, entre outros. Em 2017, o programa levou a cabo uma investigação que • A flexibilidade das abordagens de formação representou pretendia identificar o impacto dos processos pedagógicos um enorme desafio para as equipas pedagógicas do nos beneficiários, cujo objetivo era “evidenciar o programa, na medida em que implicou adaptar e criar desenvolvimento, impacto e contributo do Programa oportunidades específicas para as populações às quais Crea no campo artístico (de práticas artísticas), o campo se dirigiam e em função das entidades parceiras. No educativo (de práticas educativas) e o campo social (de entanto, o facto de se ter conseguido criar modelos práticas de cidadania e convivência), tendo em conta diferenciados foi um dos fatores mais valorizados por os diferentes atores envolvidos no processo, desde uma parte de outras entidades governamentais distritais e perspetiva crítica”5. nacionais. Embora os resultados na maior parte dos indicadores • Um projeto destas características requer um esforço sejam positivos, isto é, mostrem que as ações do permanente para documentar as ações. Neste sentido, programa Crea estão a operar transformações nos seus alcançaram-se avanços importantes relativamente à beneficiários, o mais significativo é contar com uma sistematização dos procedimentos administrativos, linha de base que, com critério estatístico, permite fazer pedagógicos e de gestão. A partir deles, produziram- medições posteriores para evidenciar ditos impactos de se análises cada vez mais cuidadosas que dão forma longitudinal. conta da presença territorial, das características O programa tem vindo a consolidar um sistema de sociodemográficas dos beneficiários, dos pormenores informação com mais de 11 milhões de dados, mas só financeiros do investimento e do seu impacto altamente agora, após este trabalho de investigação, se começa a relevantes para o presidente da Câmara, para os dispor de dados analisados relevantes para a política e diretores das entidades envolvidas e os interlocutores para a tomada de decisões. políticos. É importante assinalar que, além de contar Em breve será replicada esta investigação com outra com um sistema de informação muito robusto e fiável, equipa de investigadores, conservando a metodologia e anteciparam-se dois projetos de investigação que as principais categorias, de tal maneira que os resultados permitiram criar linhas de base para evidenciar os sejam comparáveis com os de 2017. impactos do programa tanto nos beneficiários, como nos artistas formadores. • Alcançar a sustentabilidade de um programa com estas características requer uma apropriação muito forte por parte das comunidades beneficiárias, das suas famílias 5. O documento final completo da investigação será publicado em www.crea. e dos seus respetivos meios envolventes, razão pela gov.co 54 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 el Vallée ch audreuil-Dorion, Mi de de V ultura da cida ento de Lazer e C retor do Departam Di Canadá 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 55 ENTREVISTA Diretor do Serviço Municipal de Lazer e Cultura de Vaudreuil-Dorion desde 2009, Michel Vallée conta já com mais de 20 anos de experiência em museologia e gestão cultural aplicadas às cidades. Os seus vários projetos levaram-no a dar palestras e conferências no Canadá, na América do Sul, na Europa e na Ásia. Do seu percurso profissional, é de destacar JE SUIS..., projeto criado em 2010 que permitiu à cidade de Vaudreuil-Dorion oferecer à população um inovador programa de desenvolvimento comunitário através da cultura. Na atualidade, Vaudreuil-Dorion é reconhecida pelas principais organizações franco-canadianas e pela Comissão de Cultura da Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) como uma das cidades líderes mundiais da Agenda 21 para a Cultura, tendo recebido, em outubro de 2016, o Prémio Internacional CGLU - Cidade do México - Cultura 21. Membro de vários conselhos de administração regionais e nacionais relacionados com a cultura e os municípios e do Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural da Universidade do Quebeque (Montreal), Michel Vallée participou na criação do novo programa de mediação cultural do Collège d’Enseignement Général et Professionnel de Saint-Laurent (Canadá). Tem assento na Comissão para a Cidadania Cultural, dependente do Pelouro da Cultura da cidade de Montreal. Durante os últimos anos, tem vindo a acompanhar várias cidades e regiões nas suas reflexões sobre a cultura participativa aplicada ao desenvolvimento comunitário. Há anos que a cidade de Vaudreuil-Dorion está O panorama social da cidade mudou e está a mudar comprometida com uma abordagem da inclusão e da todos os dias ao ritmo da diversidade de idades, culturas e coesão social focada na educação, na cultura e na histórias de cada um dos seus habitantes. participação dos cidadãos. Pode começar por explicar- Já em 2009, o desejo dos representantes políticos era nos os antecedentes desse modelo de intervenção? muito claro: a cidade tinha de tomar medidas concretas Na viragem para o século XXI, Vaudreuil-Dorion assistiu, para evitar os problemas sociais associados a essa rápida entre outras mudanças importantes, a uma explosão transformação e ao surgimento de reagrupamentos demográfica que provocou uma transformação social naturais de certas comunidades em determinados bairros, profunda. Na verdade, em menos de 15 anos a cidade um movimento que já deixava entrever o eventual experimentou um aumento da população de mais de aparecimento de guetos. Talvez seja criticado por usar 118%, o que pode ser explicado pela chegada maciça não uma palavra tão forte como gueto, mas não nos iludamos: só de jovens famílias procedentes do resto do Quebeque, quando os membros de uma mesma comunidade cultural como de todo o planeta. Essa nova realidade fez com compram cerca de 40 habitações no mesmo bairro, há que Vaudreuil-Dorion ocupasse, durante vários anos, as motivos para temer a autoexclusão desse grupo do resto primeiras posições entre as cidades quebequenses por da comunidade. taxa de natalidade. De facto, encabeçou a lista em 2010 e Perante essas novas realidades, surgiram algumas 2011. questões: Essa grande transformação não seria, contudo, a • Como promover o sentimento de orgulho e de pertença última. Há dois anos que se regista um novo fenómeno: em todos os cidadãos? a chegada de um número significativo de idosos atraídos • Como criar momentos e situações de encontro para que pela proximidade dos serviços. A construção de edifícios cidadãos diferentes se conheçam, se apreciem e deixem especializados, com centenas de unidades destinadas de recear a presença do outro? a pessoas reformadas, transformou, uma vez mais, o • Como aliar essas diferenças, nomeadamente culturais e panorama demográfico de Vaudreuil-Dorion. De resto, intergeracionais, até as converter numa força? a comunidade, predominantemente francófona e monolingue até essa altura, passou recentemente a Atualmente, quais são as prioridades culturais estar composta por 40% de habitantes que não falam estratégicas da sua cidade e como se articulam com os francês. objetivos da Agenda 21 para a Cultura? 56 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Numa abordagem de desenvolvimento a longo prazo e, designadamente, como parte da Agenda 21 para a Cultura, a cidade decidiu dar andamento a um grande número de intervenções destinadas a garantir que os cidadãos desempenhem um papel decisivo no desenvolvimento da cidade, convertendo-se em agentes ativos da educação e da cultura. Os anos de 2019 e 2020 caracterizam- se por um trabalho notável por parte da cidade e dos seus parceiros no ordenamento cultural do território e no envolvimento dos sectores económicos para a sua consecução. O nosso objetivo é implementar as condições mais favoráveis para que o ordenamento cultural do território melhore a qualidade de vida dos cidadãos, uma aposta que implica uma aprendizagem constante, quer da convivência quer do respeito pela história dos lugares e pela diversidade presente na comunidade. Quais são os objetivos e a dimensão educativa da sua intervenção cultural na cidade de Vaudreuil- Dorion? A proposta de Vaudreuil-Dorion em termos de ação cultural assume implicitamente a dimensão educativa. O Apresentação do programa JE SUIS…, 2011 © Stéphane Labrie objetivo? Elevar o respeito pelas diferenças e pela vida em comum a um nível superior. Como? Criando as condições que favoreçam o encontro. A educação faz parte do quotidiano das nossas cidades. A aposta? Com o encontro vem o conhecimento do outro O que constatamos um pouco por todo o mundo é que e das suas diferenças, e com esse conhecimento vem o algumas das formas de sensibilização que podemos respeito. classificar como mais tradicionais não funcionaram. Em Vaudreuil-Dorion fizemos do encontro o nosso No entanto, existem outros grandes exemplos que programa educativo, e da participação cidadã a nossa nos alentam a reinventá-la. Das escolas tradicionais carta de apresentação mais convincente. Por outras aos cursos universitários para idosos em centros palavras, decidimos acreditar que é o encontro que faz comunitários, passando pelos conservatórios e faculdades nascer o conhecimento do outro e das suas diferenças, ou mesmo as escolas de artes populares — como a Fábrica sejam elas quais forem. Assim, partimos da premissa de de Artes e Ofícios Oriente da Cidade do México, a Escola que o país de origem, a idade, o sexo ou a orientação Livre de Artes de Belo Horizonte ou o programa CREA de sexual, por exemplo, são sobretudo oportunidades de Bogotá (Colômbia) —, a educação pode seguir caminhos aprendizagem e autoconhecimento, mais do que motivos diferentes. Vaudreuil-Dorion apenas criou o seu próprio de divisão. modelo de ação cultural, um modelo em que o encontro se Uma assistente social muito ativa na nossa comunidade, torna um ato de educação, um modelo construído a partir Marie-Julie McNeil, disse-me: “Michel, se queremos das suas realidades e diferenças. resultados diferentes, precisamos de usar ferramentas diferentes”. Depois de analisar diferentes maneiras de Pode resumir-nos o projeto JE SUIS...? Quando fazer as coisas noutras partes do planeta, e por mais começou? Está inspirado em iniciativas semelhantes surpreendente que possa parecer, Vaudreuil-Dorion de outros países? decidiu oferecer um programa educativo sem lhe atribuir JE SUIS...: Filosofia de intervenção baseada nos nenhum nome. E qual o motivo? Fazer com que o encontro princípios de compromisso dos cidadãos, educação, com o outro se convertesse, efetivamente, na finalidade direitos culturais e participação de todos os setores da principal, naquilo que deve ser priorizado. comunidade. Educar sem proclamar; trazer a cultura para o dia a Quando foi lançado, em agosto de 2010, a mediação dia dos cidadãos, sem mais pretensões; promover o cultural surgiu como um elemento fulcral deste grande encontro propiciando as condições mais favoráveis para empreendimento. Nessa altura surgiram vários projetos a educação, sem perder de vista o meio em que esta de mediação cultural que, graças a ateliers participativos acontece... Resumindo: sair do caminho trilhado para dar dinamizados por artistas e outros agentes culturais resposta a uma situação excecional. e educativos, permitiram que cidadãos de diversas 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 57 Mediação cultural © Ville de Vaudreuil-Dorion origens se encontrassem, partilhassem experiências e se Mesmo antes de minha chegada a Vaudreuil-Dorion descobrissem mutuamente. em 2004, já tinha criado outros projetos em que a Estas foram as escolhas que fizemos: cultura e a educação estavam estreitamente interligadas. • Desenvolver o espírito de comunidade presente em Depois de começar a trabalhar com a organização Culture certos setores e grupos de cidadãos como base para pour Tous, do Quebeque, percebi que o que estava a expandi-lo por todo o território. fazer tinha um nome: mediação cultural. Após várias C omo? Oferecendo ateliers culturais participativos leituras sobre as experiências levadas a cabo nas cidades dinamizados por artistas e por outros agentes culturais. francesas de Lyon e Grenoble, foi em 2009 que pude A criação é a ferramenta através da qual os membros da constatar sobre o terreno a importância que a cultura comunidade que participam nos ateliers se encontram e poderia ter no desenvolvimento de cada uma das pessoas partilham experiências. Ao juntar cidadãos de diferentes e do meio em que elas vão evoluindo. O programa JE origens nesses ateliers, a magia acontece. O agente SUIS… é, por conseguinte, inspirado pela energia dessas cultural torna-se alguém que ensina ou, para ser mais duas cidades francesas. Como costumo dizer a brincar, preciso, torna-se mais um a ensinar, pois cada um dos Lyon e Grenoble são, na verdade, os meus segundos pais cidadãos que participa no atelier, mesmo sem perceber, biológicos. também ensina os seus valores, a sua cultura, a sua história. Qual o impacto do projeto JE SUIS... na mobilização de O objetivo: construir uma comunidade que se conhece, diferentes públicos? E em relação aos parceiros, pode que se respeita, que se orgulha das diferenças que a indicar-nos quais são os principais agentes envolvidos? conformam, onde os seus membros se entreajudam, Em média, e tendo em conta o conjunto dos nossos participam e constroem o seu futuro de forma coletiva. parceiros, os cerca de 50 programas desenvolvidos por • Integrar o projeto JE SUIS... de forma transversal: ano permitiram-nos oferecer até 800 ateliers públicos 1. a todo o sistema municipal (política, administração, anuais, assegurando, dessa forma, a participação dos comunicações, obras públicas, serviços técnicos, cidadãos e os direitos culturais como um reflexo, como recursos humanos, etc.) e não apenas ao serviço da um ato natural, como uma ação educativa. Todos os cultura; anos, e graças ao empenhamento dos nossos mais de 120 2. a todos os setores da nossa comunidade (saúde, parceiros, cerca de 20.000 participantes usufruem do política, economia, educação, meio ambiente, assuntos programa JE SUIS…. comunitários, cultura, etc.) para que todos se tornem Estes são alguns dos exemplos segundo o tipo de agentes da mudança. parceiros. 58 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 A área da educação crianças são levadas para os lares onde conhecerão os Entre esses parceiros, têm desempenhado um papel seus correspondentes pela primeira vez e trabalharão fundamental os professores e os diretores das escolas, juntos sobre uma obra escultórica. Nervosismo, riso, bem como a equipa do Conselho Escolar — organização choro... verdadeiros. Só verdade! Entre eles, Hubert e paragovernamental que administra as escolas do Jeannette, de 11 e 72 anos, respetivamente. Conheceram- Quebeque. Nesse sentido, por exemplo, foram criadas se graças ao artista John McRae por iniciativa da várias ações específicas em colaboração com os docentes diretora da escola Harwood, que queria fazer uma para ajustar os programas educativos existentes e incluir atividade de troca de correspondência e de encontros os objetivos associados à coesão social do território e à improváveis. pertença à comunidade. Sim, há uma obra. • À descoberta de Félix Leclerc Sim, há encontros que deixam marcas. Enquanto adultos, as responsabilidades para com os S im, há encontros que permanecem e que se tornam nossos filhos estão sempre presentes. Imagine que deixa encontros regulares entre a criança com os seus pais e a o seu país de origem com a sua família e vai morar para “nova amiga da família”. outro lugar, tendo como único objetivo proporcionar S im, há uma aprendizagem real da presença e das uma vida melhor aos seus filhos. A cultura, a língua, as histórias do outro. perspetivas... tudo é diferente. Muitas vezes, espera-os • Les mentardises o isolamento. Através da colaboração com diferentes C oncebida graças à colaboração entre um contador de parceiros, vários grupos de adultos em processo de histórias profissional, vários professores e o animador francofonização trabalharam sobre a obra do grande de uma escola secundária, esta atividade de mediação cantor quebequense Félix Leclerc, falecido em 1988, mas cultural decorreu durante mais de três meses. A proposta, que continua a ser considerado um dos pais da cultura dirigida em particular a um grupo de cerca de 300 jovens do Quebeque. Os encontros entre quebequenses nativos entre os 14 e os 16 anos de idade, procedentes de diferen- e imigrantes à volta da poesia e da canção contribuíram tes comunidades culturais, consistia em participar num para melhorar significativamente os resultados concurso de contos sob a forma de mentira e gabarolice dos programas educativos em vigor destinados à (mentardise) [‘mentirolice’, amálgama de mensonge e francofonização. vantardise], os quais seriam mais tarde apresentados • Com os olhos de ontem e de hoje pública e teatralmente, primeiro aos colegas da escola e A parceria entre centros de idosos, escolas, a depois numa grande gala. Um dos resultados marcantes Maison des Jeunes et des Artistes e o Centre dessa aventura foi, sem dúvida, a história inspiradora de d’Archives de Vaudreuil-Soulanges permitiu criar um um dos jovens participantes da grande final, que já tinha conceito de exposição fora do comum. A partir de abandonado a escola e que, no entanto, voltou para a fotografias de arquivo, os idosos partilharam as suas competição porque tinha, finalmente, a oportunidade de memórias com grupos de crianças e adolescentes de contar a sua história. todas as origens. Após esses encontros inspiradores, A área da saúde e dos serviços sociais as crianças foram ilustrando com desenhos essas O programa JE SUIS… está recheado de exemplos ligados à lembranças, enquanto os adolescentes fotografavam saúde de coletivos frágeis que vivem em situações difíceis, os edifícios ou os locais escolhidos, mostrando o seu de exclusão ou mesmo com problemas de saúde mental. estado atual. Esta exposição, ou melhor dizendo, todo Aqui deixo o testemunho de dois casos: esse processo educativo ganhou o Prémio de História • Para subir até ao sol do Governador-geral do Canadá. O projeto foi uma N o dia 4 de maio de 2011 teve lugar um inopinado serão, ótima forma de promover encontros improváveis entre um momento de paragem para falar daquilo para o qual gerações e de dar resposta ao objetivo de descobrir a não há palavras... a perda de um filho. história por detrás das paisagens urbanas dos nossos Com todos os seus parceiros, incluindo o Centro de dias. Saúde e Serviços Sociais regional (CSSS), a cidade • O circo das gerações permitiu que a comunidade se reunisse à volta da dor, Junte, por um lado, crianças que todas as semanas, mas, acima de tudo, à volta da esperança. Durante cerca depois da escola, praticam artes circenses e, por outro de 4 meses, 24 pais de luto pelos filhos —mortos antes lado, igual número de idosos que residam sozinhos em de nascer ou recém-nascidos— trabalharam juntamente lares. Durante umas semanas vão trocar cartas cujo com três artistas com o objetivo de agitar convenções e assunto de partida é o circo de ontem e o de hoje. Em quebrar tabus. breve, esse assunto tornar-se-á o pretexto para a escrita O jornalista Patrick Richard compilou um livro com as e a troca... e para o encontro. Uma bela tarde de sol, cartas que os pais foram escrevendo aos seus filhos na primavera de 2018, encontram-se, finalmente. As falecidos e publicou-o. O objetivo: gritar, abalar, falar 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 59 Les mentardises © Ville de Vaudreuil-Dorion Para subir até ao sol © Ville de Vaudreuil-Dorion baixinho. Mais tarde, Patrick Rozon criou uma encenação Deparou-se com dificuldades ou problemas durante em que os pais leram, comovidos, o texto que eles o processo de recrutamento e colaboração entre os próprios tinham escrito. Finalmente, a artista Madeleine agentes educativos e culturais? Turgeon cocriou com estes uma escultura em mosaico É claro que não foi tudo fácil. Foi necessário explicar, inspirada no gesto de um dos pais envolvidos, que erguia através de ações concretas, que esta outra forma de fazer as mãos aos céus afirmando ainda estar à espera do as coisas podia servir como complemento dos modelos filho. A obra, uma árvore com um bebé dentro à espera, clássicos de educação. Assim aconteceu com o projeto continua a abalar todos os que a contemplam. Mentardises, que teve de acabar devido à desmobilização O pai de um dos participantes revelou-nos que a família de alguns professores, que precisavam de concentrar se tinha dividido a partir dessa trágica perda, porque as suas energias noutras atividades. No entanto, foram o assunto se havia tornado tabu. Ele não conseguia surgindo outros projetos magníficos, criados por compreender o motivo de a sua filha e o genro não professores e diretores de escola interessados em colocar conseguirem ultrapassar a situação. Depois daquela os seus alunos no centro da comunidade, com todos os noite, percebeu e acabou por admitir que essa ação tinha desafios que isso implica. conseguido reunir a família, ajudando-os, finalmente, a Por sua vez, os profissionais educativos das instituições compreender. museológicas, inicialmente cautelosos quanto ao rumo C ada um no seu papel, todos eles se tornaram agentes adotado pelos responsáveis municipais, passados da mudança, alguém que ensina, que ilumina com o brio poucos meses tornaram-se os grandes campeões deste de mudar mentalidades. programa, promovendo encontros tão improváveis quanto • Les Artistes du Bonheur prometedores. A verdade é que nenhum argumento Adultos com deficiência intelectual trabalham cinco é comparável com a ação no terreno. É apenas dessa dias por semana com artistas profissionais em projetos forma que os parceiros da comunidade se apropriam do a que se vão juntando outras pessoas conforme o tipo processo. de atividade. Reunidos numa casa histórica localizada num jardim do coração da cidade, esses artistas Quais são os aspetos fundamentais que garantem que amadores que ontem evitou olhar tornaram-se hoje os a participação de todos os agentes envolvidos seja seus mentores e mostraram-lhe o que fazer. Mais do permanente e frutífera? que um atelier de arte para pessoas com deficiência O projeto JE SUIS… não arrancou apenas com um simples intelectual, o modelo Vaudreuil-Dorion vai mais além, toque de varinha mágica. Foi necessário garantir que as reincorporando Les Artistes du Bonheur [Os Artistas organizações e os diversos grupos sociais da comunidade da Felicidade] no coração da comunidade e mudando se comprometessem a aceitar um modo diferente de fazer as mentalidades das pessoas, uma a uma. Mais uma as coisas e, acima de tudo, aceitar que os grupos com vez, a educação informal deixará a sua marca para que lidavam habitualmente se misturassem com outros sempre. grupos da comunidade que estavam, aparentemente, 60 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 nos antípodas. Acredite, logo nos primeiros encontros os além das palavras, a magia aconteceu. Era digno de se ver resultados saltam à vista e percebe-se que todos acham o orgulho refletido nos seus olhos e manifestado em voz importante estar lá. alta por fazer parte deste projeto único! As fotografias que ele tirou mais tarde são a melhor demonstração de todo o A partir dessas experiências, o que pode trazer a amor que lhe inspiravam os seus novos amigos... os artistas participação cultural nos processos de capacitação dos da felicidade. cidadãos? Pode dar-nos alguns exemplos concretos? O processo de reforço das capacidades dos cidadãos No futuro, quais são os principais objetivos da é facilitado, e até mesmo amplificado, pelo uso da Vaudreuil-Dorion relativamente à educação e à cultura? cultura como principal ferramenta de transmissão. Limitar-me-ei a reproduzir as palavras do presidente Porquê? Porque a cultura remete para um esquema não da Câmara de Vaudreuil-Dorion, Guy Pilon: “A cultura e competitivo, no qual a contribuição de cada qual surge o programa JE SUIS... já fazem parte do ADN da nossa dos seus sonhos, valores e histórias. Por outras palavras… cidade”. No futuro, Vaudreuil-Dorion pretende que a • Eu partilho quem sou. educação penetre através da cultura de forma transversal, • Ao exprimir quem sou e os meus costumes, os gestos convocando, para tal, um número cada vez maior de que faço, tomo consciência e assumo esses mesmos cidadãos e parceiros. gestos. Tenho orgulho deles. Em primeiro lugar, tenho • Foi lançado há poucos meses o projeto-chapéu Mozaïk, orgulho daquilo de que estou a falar e que me diferencia uma rede cultural abrangente para maximizar a presença e, a seguir, tenho orgulho de o partilhar e de fazer com dos espaços culturais no quotidiano da população que os outros o descubram. e comprometer os cidadãos mais interessados na Na prática, devido à mediação cultural, bem como à transmissão dos seus conhecimentos. De facto, no site participação dos cidadãos e à contribuição dos agentes de Mozaïk apresenta-se logo na página inicial um jornal culturais que a definem, todos os participantes acabam por cultural digital escrito por cidadãos implicados neste desempenhar umas vezes o papel de formadores e, outras projeto. Mais uma vez... os aprendentes tornam-se vezes, o de aprendentes. O novo conhecimento adquirido formadores. também se torna uma fonte de grande orgulho. Lembrar- • Daqui a umas semanas, um grande mural concretizado me-ei durante muito tempo de um senhor, um fotógrafo pelo coletivo de artistas ASHOP após um amplo processo amador, que tinha medo da inclusão de adultos com defi- de consulta e cocriação por parte dos cidadãos marcará ciência intelectual no programa de Les Artistes du Bonheur. a paisagem com referências à história, ao presente e No início, permanecia afastado e manifestava algum pudor ao futuro da cidade. Este grande projeto, pintado sobre em fotografá-los, mas Joël, membro do Les Artistes du os muros de um reservatório de água localizado no Bonheur, não demorou muito tempo a aproximar-se dele coração de um bairro antigo em pleno desenvolvimento, e a abraçá-lo com força, gritando de alegria. Muito para faz parte de uma série de intervenções de mediação Les Artistes du Bonheur © Ville de Vaudreuil-Dorion Les Artistes du Bonheur © Daniel Bouguerra 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 61 cultural realizadas neste bairro, pautadas pela grande Que conselhos daria a outras cidades que queiram participação dos cidadãos e pela intervenção de abraçar uma iniciativa semelhante à que foi posta em organizações como Nourrir ses Rêves, Le Souffle de ma prática em Vaudreuil-Dorion? Communauté, Unité dans la Diversité... A inspiração não é aplicar um projeto idêntico ao que já Estas ações mostram, sem sombra de dúvida, que as foi realizado noutro lugar. Se temos tido o privilégio de ações de mediação cultural voltadas para o encontro e ir inspirando outras comunidades, é porque o modelo JE a educação informal são parte integrante do futuro da SUIS... se baseia em quatro princípios fundamentais: nossa cidade, um futuro feito de pertença e respeito 1. Propor encontros que levem ao conhecimento do outro pela diversidade, mas, acima de tudo, pelo sentimento de e das suas diferenças e, por conseguinte, ao respeito orgulho em relação às diferenças que nos caraterizam e por eles. Criar encontros improváveis entre diferentes ao facto de vivermos numa comunidade onde a cultura e grupos da comunidade. a educação nem precisam de ser nomeadas, porque são, 2. Reunir parceiros e fazer com que vivam essa mesma simplesmente, vividas. experiência de encontro com agentes de diferentes Em Vaudreuil-Dorion, os agentes culturais e os parceiros quadrantes para que juntos, deem lugar a outros comunitários (dos negócios, da saúde, do urbanismo, encontros com cidadãos dos seus respetivos círculos. da política, etc.) tornam-se transmissores de saberes, 3. Não deixar nunca de se questionar. De facto, não formadores com os quais se partilham os primeiros há um manual de instruções, mas um grande rol de sorrisos. Também eles se tornam aqueles por quem o questões a serem colocadas. Qual a realidade social território se enfeita com as suas melhores vestes, tecidas a que queremos dar resposta? Qual o grupo a que com o sentimento de orgulho e pertença. Essas obras, se quer chegar? Como tirar esses cidadãos da sua orgulhosas testemunhas deste extraordinário programa zona de conforto e como colocá-los perante um educativo, pontuam o território e marcam o ritmo do desafio cativante? Com quem se pode trabalhar para quotidiano dos habitantes da cidade. o conseguir? Que artista tem a personalidade que JE SUIS... é uma intervenção educativa de grande fará com que a magia aconteça? Qual o espaço mais envergadura que, apenas recentemente, foi reconhecida inspirador e coerente para realizar essa intervenção? como tal. Afinal de contas, se as palavras nos permitem, Etc. de vez em quando, compreender e assumir, há momentos 4. Deixar registos desses encontros para recordar, em que a ação é o que, de facto, nos permite levar os inspirar-se e seguir adiante. cidadãos a participar. Esses momentos são oportunidades O meu primeiro conselho seria, pois, estar atentos aos para o encontro e para fazer brilhar o futuro de todos e sinais da comunidade e definir claramente aquilo a que cada um dos que se tornaram aprendentes e formadores se deseja dar resposta: a que realidade social ou situação de uma comunidade única... a sua. vivida na comunidade? As perguntas suceder-se-ão naturalmente: Quem? Com quem? Como? Onde? Faça com que os representantes eleitos se envolvam, apelando, não à sua condição de eleito, mas ao que O circo das gerações © Ville de Vaudreuil-Dorion têm de humano. Os nossos sentimentos humanos são o melhor motor para a transformação. Como tal, gostaria de sublinhar que, se os políticos eleitos de Vaudreuil- Dorion implementaram o projeto JE SUIS..., foi apenas pelo desejo de melhorar a qualidade de vida e as relações dos cidadãos. Fizeram-no por CADA UM dos habitantes da cidade. O risco político era alto. Confiar na cultura para educar e levar uma comunidade até ao futuro... para isso é preciso ter visão. 62 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Ernst Wagner cutivo da e coordenador exe en- Munique g de idade de Erlan Belas Artes e cação, na Univers a Academia d ura na Edu Professor d SCO - Artes e Cult E Cátedra UN ga, Alemanha r Nurembe 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 63 ENTREVISTA Ernst Wagner estudou Artes Visuais na Academia de Belas Artes de Munique (Alemanha) e doutorou-se em História da Arte pela Universidade de Munique. Tem experiência como professor do ensino secundário, no Ministério da Educação e Cultura da Baviera e no Instituto de Qualidade Escolar e Investigação em Educação de Munique. Em 2008, começou a trabalhar na Cátedra UNESCO - Artes e Cultura na Educação, na Universidade de Erlangen- Nuremberg; de 2014 até à data, exerce a docência e a investigação na Academia de Belas Artes de Munique. É professor honorário do Instituto de Educação de Hong Kong. Ernst Wagner é membro do Conselho de Cultura da Comissão Alemã para a UNESCO. A nível europeu, preside à International Society for Education through Art (InSEA). Iniciou a European Network of Observatories in the Field of Arts Education (ENO) e a International Network for Research in Arts Education (INRAE), uma rede global de cátedras e observatórios da UNESCO, convertida numa rede UNITWIN, também reconhecida, recentemente, pela UNESCO. No INRAE, foi responsável pelo projeto Monitoring Arts Education (MONAES). Publicou mais de 250 artigos e livros em dez línguas. Esta monografia aborda as muitas sinergias entre a a nível local, regional ou nacional. Encontramos o ensino educação e a cultura que podem existir a nível local e para, em e através de as artes não só nas escolas — nas como transferi-las para o domínio político. Com base na respetivas aulas de arte, música, teatro ou dança — ou em sua extensa investigação nestas áreas, pode começar instituições culturais, mas também em clubes de jovens, por descrever brevemente o papel das artes e da em ambientes de aprendizagem entre pares numa banda cultura nos processos de ensino e aprendizagem? de música ou num grupo de break-dance, ou mesmo Não se trata de uma pergunta fácil, pois não há quando uma mãe canta com o seu filho. A mãe pode estar apenas uma resposta. Temos de começar por analisar interessada em formar o seu filho como futuro cantor três funções diferentes que a arte e a cultura podem profissional, em criar uma pessoa bem formada ou em desempenhar no processo educativo. Talvez se torne mais ensinar valores e competências sociais através das artes. claro se olharmos para as formas como a arte e o ensino É claro que também pode considerar os conteúdos, os se podem relacionar entre si. Neste ponto, podemos tópicos relacionados com o ensino artístico. A educação distinguir três abordagens diferentes, cada uma delas cultural pode incentivar as pessoas a querer saber mais associada a um papel também ele diferente: sobre o seu património cultural e a envolver-se na prática 1. o ensino para as artes, que diz respeito à promoção de várias formas de arte tradicional e contemporânea dos talentos que podem vir a integrar a próxima — na educação artística propriamente dita. Ou pode, geração de artistas, formação profissional; também, conceber a cultura quotidiana — educação 2. o ensino nas artes, que diz respeito aos incentivos cultural em sentido lato — como princípio e recurso para a para que todos usem a sua capacidade para a sua vida presente e futura. experiência artística, como sejam o gosto pela arte ou Como pode ver, há muitas respostas para a sua pergunta. a expressão através de meios artísticos; Talvez uma matriz possa ser útil para visualizar as 3. o ensino através das artes, que diz respeito à diferentes abordagens. A utilização desta matriz pode utilização das artes para outros fins como, por ajudar a localizar uma atividade específica e ver o que as exemplo, mobilizar múltiplos estilos de aprendizagem partes interessadas podem não estar a ponderar, uma vez ou ser criativos em áreas não-artísticas. que têm de decidir o que fazer. É importante reconhecer que as três abordagens são Por último, se me é permitido, gostaria de acrescentar legítimas e equivalentes. um comentário um pouco controverso sobre a sua Por outro lado, estas três abordagens podem ser pergunta. Primeiro fala de sinergias entre dois domínios, aplicadas em contextos formais, não formais e informais, mas depois apenas pergunta qual o papel que poderia 64 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 ABORDAGEM CONTEXTO PARA AS ARTES NAS ARTES ATRAVÉS DAS ARTES A NE Formal RÂ RA PO LTU EM T CU ON Arte-Cultura E- T - C AR AL IO N IC Informal D TRA Figura do autor desempenhar um para o outro, mas não o contrário. Acho e exploração experimental —, existe, sem dúvida, uma isso interessante. Trata-se de uma tendência geral na ligação evidente com o desenvolvimento sustentável. forma como todos pensamos. Mas porque é que sempre Como seres humanos, lidamos com o nosso futuro a tendemos a pensar deste modo unilateral? Porque é que diferentes níveis, como, por exemplo: um nível normativo nunca nos questionamos sobre o papel que os aspetos relativamente à ética ou à religião; um nível instrumental, educativos podem desempenhar nas artes? Isto permitir- técnico ou pragmático no que respeita à elaboração de nos-ia, também, descobrir novas e inovadoras práticas políticas; e, por último, mas não menos importante, um artísticas que funcionam no plano social ou político. nível simbólico no terreno das artes. Como sabemos, por vezes — ou muitas vezes —, observamos conflitos Como é que isso se reflete nas agendas internacionais, entre esses níveis, mas isto não nos pode levar a ignorar como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável? nenhum deles, antes pelo contrário, devemos saber gerir Todas as partes interessadas nesta questão, em todo o esses conflitos. mundo, estão conscientes do papel crucial e insubstituível da educação em geral — não apenas da educação Como pode a educação artística contribuir para a artística — para a implementação dos Objetivos de promoção de valores como a convivência, a inclusão, a Desenvolvimento Sustentável (ODS). De facto, a UNESCO participação e o envolvimento cívico a nível local? tem vindo a formular o conceito de EDS (Educação para Qualquer pessoa poderia responder à sua pergunta o Desenvolvimento Sustentável) acompanhado e apoiado valendo-se das mais diversas experiências pessoais. por enormes esforços. São muitos os recursos locais, Todos conhecemos, no mínimo, um bom exemplo na regionais, nacionais e internacionais investidos neste nossa localidade, seja ela mais rural ou mais urbana. Mas domínio essencial para o nosso futuro. eu focar-me-ei apenas num assunto muito específico: o Curiosamente, e no que diz respeito à educação estilo de vida que, do meu ponto de vista, é um indício artística, o que podemos observar sempre é uma muito convincente, pois engloba aspetos individuais e separação entre ambos os domínios: desenvolvimento coletivos de uma forma interessante. Podemos falar sustentável e artes. Esta separação aparece em ambas do estilo de vida de um indivíduo, de uma comunidade as direções. Por exemplo, os formadores receiam que ou até de uma sociedade ou de um período histórico. as artes sejam instrumentalizadas ou desrespeitadas Independentemente das suas diferenças políticas ou com fins persuasivos, comerciais ou de propaganda. económicas, todos os sistemas ou subculturas criam o Esta suscetibilidade em relação ao doutrinamento é seu próprio estilo de vida. O que sabemos de toda esta generalizada, mesmo que seja por uma razão boa e diversidade é que pode assumir, de facto, formas muito eticamente aceitável. Por outro lado, os defensores da diferentes. A consciência da própria relatividade é sempre EDS preferem, com frequência, abordagens “mais serias”; um bom ponto de partida. desconfiam das artes como sendo um luxo, um extra que É crucial que os formadores da área das artes sejam realmente não pode contribuir de uma forma essencial conscientes de que o estilo de vida é sempre uma criação para a EDS. e orienta-se, sobretudo, por princípios estéticos. Estamos Do meu ponto de vista, acho que existe uma resposta sempre a escolher e a combinar diferentes aspetos, e bastante simples para esta questão. Tendo em conta é com eles que vamos moldando o nosso estilo, porque que nos referimos a tudo o que os seres humanos fazem achamos que, de certa forma, o tornamos belo. O estilo ou conhecem como “cultura” — e sendo as artes um de vida é um projeto estético e, como tal, um bom campo específico da cultura que os seres humanos têm exemplo de tema interessante para a formação nas artes vindo a desenvolver, ao longo dos séculos, como um visuais, que inclui não só o design de moda, o design todo constituído por narrativas, simbolização, reflexão gastronómico, o design de interiores, a arquitetura ou o 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 65 urbanismo, mas também a forma como nos movemos, comportamos, olhamos, penteamos o nosso cabelo, e por aí fora. Importante a propósito deste exemplo é a forma muito intensa de identificação com que nos deparamos: é sempre “o meu” ou “o nosso” estilo de vida; sempre olhamos com olhar “crítico” para a forma como os “outros” se apresentam. Projeto de educação artística que ajudou a desacelerar a migração da Voltando ao aspeto individual-coletivo, penso num população, Coreia do Sul. projeto educativo em que crianças, jovens e adultos discutem como deve ser o “estilo de vida” ou a “imagem” da sua comunidade — seja ela de uma cidade grande ou de uma pequena aldeia. O que é preciso para desenvolver e moldar esse estilo de vida coletivo é a criatividade, a abertura a diferentes opções, a consideração de formas totalmente diferentes de pensar, a transparência, a argumentação racional, a tolerância para com outros pontos de vista, etc. Em suma, precisamos de pensamento artístico. Um projeto como este, aliás, também permitiria a participação de uma forma lúdica. Como todos sabemos, a participação neste contexto é um enorme desafio para todas as comunidades. Quais poderão ser os critérios de qualidade para orientar programas e projetos de educação artística? Existem diferenças significativas entre o ensino formal e não formal a este respeito? Quanto ao ceticismo relacionado com o ensino das artes no âmbito da EDS, talvez se possa afirmar que existem Ghetto Classics é um projeto que proporciona experiências musicais três critérios de qualidade decisivos: aos jovens do assentamento de Korogocho, um bairro de lata de 1. proibir a opressão do doutrinamento através da Nairobi. As atividades incluem ensinar crianças e jovens a tocar instrumentos de música clássica e a ler e executar peças de Beethoven ponderação de posições diferentes e controversas. e Mozart, entre outros compositores. Ao apresentar um tópico sobre temas polémicos em matéria de ciência, cultura e política, as posições assumidas por cada uma das partes são relativizadas. Os jovens devem desenvolver o seu próprio ponto de vista; 2. permitir aos jovens analisar os seus próprios interesses em situações políticas; 3. incentivar a dimensão lúdica, criativa e aberta subjacente ao caráter do projeto. O exemplo do estilo de vida referido anteriormente talvez possa refletir esta ideia e a forma como estes critérios de qualidade podem ser postos em prática. Isto é particularmente válido quando os objetivos pretendidos são, por exemplo, os de alcançar uma sociedade pacífica, socialmente inclusiva e participativa. Quanto à segunda questão, pode afirmar-se que não há diferenças entre o ensino formal e não formal. As diferenças existentes são entre as três abordagens que coloquei no início. O ensino para as artes centra- se, principalmente, na produção, nos resultados — por Numa intervenção de grande envergadura, os residentes de uma favela exemplo, na performance e nos produtos dos jovens de Belo Horizonte, destruída pelo boom imobiliário, reconstruíram o espaço que tinham perdido — e, com ele, o seu perdido modo de vida — talentos a caminho de se tornarem artistas profissionais. numa ação conjunta e criativa. 66 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Os processos — e não os produtos — são essenciais para o ensino nas artes. É o que se verifica em ambientes formais e não formais. O ensino formal — ou seja, nas escolas — centra-se em objetivos educativos gerais. Esta é a abordagem mais importante nesse contexto educativo, embora não seja este o único em que se verifica. Por sua vez, o ensino através da arte aborda competências transferíveis. Os grandes objetivos — para, em ou através de — definem a relevância dos critérios, não os contextos. Arte + clima = Mudança, festival para fomentar um compromisso social Também fez investigação na área da integração desde para mudar atitudes que reúne artistas e investigadores, assim como a perspetiva da diversidade cultural na educação especialistas em meio ambiente e clima, organizado pela CLIMARTE. artística. Quais são as suas implicações práticas? Realizámos uma recolha de exemplos de “educação artística orientada para a diversidade” em todo o mundo. permite a análise e compreensão da prática. O modelo Numa segunda fase, fixámos a atenção no caso específico gráfico que se segue oferece uma visão inicial sobre esta da Europa. Uma vez finalizada, o que temos é uma questão. imagem bastante clara do que esta ideia ou conceito O que se pode observar é a variação destes conceitos pode significar. Um dos resultados é que já não podemos nas distintas regiões do mundo devido à diversidade falar apenas de aspetos interculturais, porque os aspetos dos desafios que têm de enfrentar. O modelo mostrado trans ou multiculturais também são relevantes e válidos. na tabela permite-nos não apenas compreender estas A “educação para a diversidade” pode ser discriminada diferenças, mas também falar sobre elas, com colegas em dimensões específicas. Isto produziu um modelo que de diferentes regiões do mundo, numa língua comum. Podemos encontrar uma atitude de reconhecimento, apreço e respeito pelo ‘outro’ e considerar o ‘outro’ como um igual? (Apreço pelo ‘outro’) SIM NÃO TRANSCULTURALIDADE INTERCULTURALIDADE A própria cultura SIM Aprender com cada ‘outro’ Ser consciente do ‘outro’ e tê-lo em consideração deve desenvolver- Participação se na interação Cidadania Global Sensibilização com outras? (Abertura em MULTICULTURALIDADE CULTURA PRINCIPAL/DOMINANTE relação ao ‘outro’) NÃO Fazer algo pelo(s) outro(s), Ligar e alinhar o(s) ‘outro(s)’ ajudá-lo(s) com a própria cultura Empoderamento Prevenção / Assimilação 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 67 SUSTAIN IT! é um FabLab de Berlim que começou o “ART TO STAY”, Numa intervenção de grande envergadura, os residentes de uma favela um projeto relacionado com a recente moda da adesão dos cafés à de Belo Horizonte, destruída pelo boom imobiliário, reconstruíram o modalidade ‘takeaway’. Estudantes e artistas exploraram o porquê de espaço que tinham perdido — e, com ele, o seu perdido modo de vida — as pessoas fazerem isto. Descobriram que era uma forma de mostrarem numa ação conjunta e criativa. que são modernas, hipsters, ativas, jovens, que não perdem o tempo e que são importantes. O projeto inverteu essa tendência para promover o hábito de se demorar e apreciar ao máximo o café. Do “café takeaway” à “arte de ficar”. Encontrar uma língua comum nas redes internacionais é, programas de intercâmbio para atividades culturais, os como sabemos, um desafio contínuo. encontros entre jovens, etc. Estes conceitos precisam, no entanto, de ser repensados nos nossos dias. Novos Tendo em conta a investigação que realizou a nível desafios exigem novos formatos, um objetivo que europeu e internacional, pode indicar algumas das não se poderá atingir sem contar com apoio político. tendências que observa quanto à ligação entre as Infelizmente, as tentativas, neste ponto, ainda são políticas educativas e culturais? demasiado tímidas. Aquilo a que estamos a assistir atualmente em muitos países é à tendência para uma maior politização da Quais são os principais obstáculos ou desafios que educação artística. Após o fim da Guerra Fria, a linha de impedem uma maior integração das políticas nestas atuação predominante foi a da convergência. Entretanto, áreas? porém, as tensões e os conflitos têm vindo a aumentar em Também aqui, mais uma vez, temos de fazer uma distinção todo o mundo, não só dentro dos países, como também entre o nível nacional e internacional. A nível nacional, entre eles. Temos pela frente novos desafios. Acabou de o principal problema em quase todos os países continua fazer referência às questões da diversidade cultural. A a ser, talvez, a separação da cultura e da educação, cada estas gostaria de acrescentar outras, como as alterações uma com os seus respetivos departamentos ou áreas de climáticas e os novos movimentos migratórios, que responsabilidade. Mas o ensino das artes, como acabei representam os principais desafios que conduzirão a de referir, é uma tarefa transversal, afeta sempre vários novas convulsões e conflitos políticos. ministérios, e isso requer uma nova compreensão da A educação cultural e artística não pode escapar à política. evolução da situação global. Olhando para o futuro, isto Realmente útil – além das recomendações habituais – significa que o “ensino através das artes” será reforçado, seria conhecer as áreas em que não se está a trabalhar, e também do ponto de vista político. Em muitos países, há mas com as quais se está a colaborar. A pessoa muito tempo que se reconhece o potencial da educação responsável pelas medidas de política social deveria artística para enfrentar os desafios que se avizinham. Na trabalhar uma semana por mês na área da cultura. Do política, que tem na coesão social um dos seus objetivos, mesmo modo, a pessoa responsável pela cultura deveria está a ser cada vez mais promovida a educação cultural. trabalhar no planeamento urbano, e assim por diante. As políticas nacionais, sociais, educativas e culturais Só tendo uma ideia do que está a acontecer nas outras andam de mãos dadas. Encontramos exemplos muito bem- áreas se pode cooperar corretamente. Para este tipo sucedidos na área da aprendizagem intercultural e no de formação contínua — que é a designação que eu lhe empoderamento da participação dos jovens. daria — são necessários programas de apoio, mas também Contudo, o que tem faltado até agora é a integração da moderadores/formadores. educação artística na política externa ou transnacional. A nível internacional, a situação torna-se mais Mas, também aqui, podemos retomar práticas com alguma complexa. A começar, por exemplo, pela concessão de tradição: as parcerias internacionais entre cidades, os vistos aos artistas do “Sul global” para que possam 68 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 EDUCAÇÃO ARTÍSTICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Dimensão Dimensão Dimensão Dimensão Ambiental Social Cultural Económica p. ej. p. ej. p. ej. p. ej. 12 Consumo e 10.2; 16 Inclusão 4 Educação 8.6 Trabalho Produção Igualdade (género) 4.7 Diversidade 8.9 Turismo 11.1/3/7 16 Paz 4.7 Contribuição da 9.5 Inovação Acordos Cultura (património) 4.7/12.8 Estilo de Vida 11.4 Património atravessar as fronteiras da Europa ou da América do com os agentes que trabalham no terreno. Isto que acabo Norte; e acabando pela definição de uma língua comum de dizer pode parecer banal, mas não é, de todo. Neste para facilitar não só a comunicação, mas também a ponto, confiamos muito no princípio da ponderação cooperação. Gostaria de introduzir aqui uma referência dos perfis. Gostaria de partilhar aqui uma matriz que a uma publicação muito importante que aborda, desenvolvemos num projeto de investigação global, precisamente, esta questão: Arts Education around procurando pontes entre as artes ou a educação cultural the World: Comparative Research Eight Years after the e tendo como documento de referência os Objetivos Seoul Agenda. Aqui, pela primeira vez, foram reunidos e de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Pode parecer cruzados os resultados a nível mundial1. confuso, mas na verdade é bastante simples. Na educação artística, podemos distinguir quatro Olhando para a situação específica das cidades, quais perfis ou dimensões diferentes no que diz respeito à as principais áreas em que os governos locais poderiam sustentabilidade: ambiental, social, cultural e económica. contribuir para o desenvolvimento das artes, da cultura Agora podemos ligar estas dimensões a ODS específicos – e da educação? representados aqui pelos ícones – e Metas, que aparecem Nos últimos anos estivemos em Belo Horizonte (Brasil), nas caixas. Yaounde (Camarões), na vila de Poggio (Itália), Singapura O aspeto crucial dependerá da situação particular e Riga (Letónia) para trabalhar, juntamente com os de cada cidade. Se queremos abordar o turismo, as agentes locais, sobre estas questões. Com base nesta questões do património, a diversidade na educação, a experiência, pudemos desenvolver uma ideia clara do que paz ou o consumismo, os responsáveis políticos e as é necessário em relação à sua pergunta. O que sabemos partes interessadas deverão definir as prioridades em desta experiência internacional é que, acima de tudo, conformidade com o respetivo contexto local. A partir é essencial desenvolver um perfil convincente que se daí, podem ser adotadas uma política de educação adapte à situação local e seja desenvolvido em conjunto artística e as respetivas medidas específicas para o seu desenvolvimento. É importante acrescentar que esta tarefa deve ser entendida como transversal, pelo que as áreas da educação, da cultura, dos assuntos sociais, 1. Trata-se do volume V do International Yearbook for Research in Arts Edu- do desenvolvimento urbano e do urbanismo devem ser cation, publicado pela Waxmann Verlag em 2018. trabalhadas em conjunto. 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 69 Pode ilustrar isso com um exemplo? dimensões em relação aos ODS – proporcionou exemplos Todos conhecemos, nas cidades em que vivemos, bons interessantes. Por exemplo, na Coreia do Sul as atividades exemplos nos quais se combinam a cultura, a educação de educação artística ajudaram, numa região remota, a e o desenvolvimento social. Mas aqui, nesta publicação, travar a migração da população. No Egito, as atividades devemos dar um passo além. Um caso interessante artísticas ajudaram os residentes de uma pequena leva-nos até à Colômbia, mais concretamente a 2015. comunidade piscatória a identificarem-se com a sua própria Nessa altura, a cidade de Bogotá levou a cabo dois aldeia. No Brasil, uma escola de artes permitiu abrir novas grandes projetos nas favelas El Nido e CLAN. Em ambas expetativas para os habitantes deslocados de uma favela. foram projetados espaços seguros e não violentos com Nestes três exemplos, o foco principal é o desenvolvimento atividades de educação artística. Este é um dos muitos e da comunidade, na cidade e nas zonas rurais. convincentes exemplos que mostram o excelente trabalho Outro exemplo, focado na qualificação profissional, leva- que pode ser desenvolvido através da cultura e da nos até Nairobi (Quénia). Aqui, numa escola de música educação. de um bairro de lata, os jovens têm a oportunidade de Mas, neste caso, acrescentou-se algo mais. Por ocasião desenvolver as suas capacidades e atitudes tocando de uma grande conferência sobre estes programas, em música em conjunto, o que os tem ajudado, e muito, na que participaram mais de 800 bogotanos, alguns peritos sua procura de trabalho. Diferentes desta abordagem internacionais foram convidados a observar e avaliar são dois exemplos, um da Alemanha e outro da Nova a situação no terreno. Essa intervenção não foi tão Zelândia. Em ambos são tratadas as atitudes em relação completa quanto seria desejável, pois o tempo disponível à destruição ambiental de uma forma muito lúdica. não o permitia. Seja como for, não se tratava de uma Espero que possamos publicar em breve os resultados avaliação típica do planeamento estratégico, da evolução desta investigação. Neste momento, só posso dizer que dos contributos, dos processos e dos resultados, mas de funciona! uma forma diferente e inovadora de feedback que deveria funcionar como avaliação formativa. Leonardo Garzón Esteve envolvido em várias redes internacionais. Ortiz, um colega que vive em Bogotá, Larry O’Farrell, Considerando que as competências e as tendências do Canadá, e eu encontrámos uma forma de traçar o da educação e da cultura são com frequência muito perfil dos programas aplicados em Bogotá através de diferentes em cada país, por que razão considera um modelo categorial semelhante ao mostrado mais importante promover a cooperação internacional neste acima, baseado nas quatro dimensões. Trocámos as domínio? nossas avaliações e discutimo-las em conjunto. Todos A nossa experiência quotidiana diz-nos que os avanços concordámos no perfil pelo qual, por exemplo, o projeto importantes no domínio político ou económico ocorrem CLAN estabelece, em primeiro lugar, a dimensão cultural, sempre a nível local, mas surgem em contextos seguida de perto pela dimensão social, mas com muito transnacionais e são influenciados por estes de um modo pouca ênfase na dimensão económica2. decisivo. É assim em todos os domínios, não só nas No início deste artigo, referi a necessidade de encontrar artes, na cultura ou na educação. Pense, por exemplo, na uma língua comum na cooperação internacional. Na minha influência formidável que está a ter o estudo internacional opinião, este foi um bom exemplo de sucesso. Encontrou- PISA nos sistemas educativos de todo o mundo; ou no se uma língua comum – e isto é particularmente modo como as bienais incidem no desenvolvimento das importante – no diálogo entre observadores externos artes visuais em todo o mundo. É tanta coisa que acontece e agentes locais. Tais processos necessitam do apoio ao mesmo tempo a nível local e global! de políticas locais empenhadas em ir mais além no O mais excitante disto tudo é a oscilação constante desenvolvimento dos seus programas. entre, por um lado, distinções e demarcações e, por outro, inclinações ou aquisições. Todos sabemos disso pelo Pode dar outros exemplos de boas práticas, por exemplo, nosso próprio desenvolvimento individual. Os sistemas no ensino através das artes? não funcionam de forma diferente. O projeto de investigação global que levou à matriz As redes internacionais são plataformas em que se apresentada anteriormente – a que tem quatro realizam intercâmbios frequentes, de forma pacífica e colaborativa, sobre estas questões. Tornam eficaz e frutífera a oscilação antes mencionada. Nelas podemos observar melhor os desenvolvimentos gerais e refletir em conjunto. E para que isso aconteça, precisamos de 2. O’Farrell, L. & Garzón Ortiz, L. & Wagner, E. (2016). “The Bogotá Experien- cooperação internacional, de redes internacionais. ce: Pre-testing Proposed Dimensions for the Evaluation of Arts Education”, in International Yearbook for Research in Arts Education, vol. 4. Münster/ Nova Iorque: Waxmann, pp. 41-51. Experiências 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 71 EXPERIÊNCIA Gunsan: Uma cidade de património cultural moderno e de aprendizagem ao longo da vida Yang Keonseung e Yungjae Jang Pelouro dos Recursos Humanos e Educação, Câmara de Gunsan Apesar do seu património cultural moderno, Gunsan, que abriu o seu porto em 1899, sofreu uma recessão económica devido ao afastamento dos cidadãos causado pelas precárias condições habitacionais. Graças à participação cidadã e à aposta na educação ao longo da vida, Gunsan é uma cidade que renasce como atração turística dentro da Coreia, combinando a preservação do seu património cultural moderno com a indústria turística. Gunsan, onde o passado, o presente e o futuro coexistem Desde a abertura do seu porto em 1899, Gunsan tornou-se uma cidade central para a história e a cultura modernas da Coreia. É um porto comercial com indústrias de ponta ligadas ao setor da construção naval e automóvel. A sua população, de 272.645 habitantes, encontra-se espalhada por 681,15 km2, uma área onde também estão incluídas um total de 63 ilhas de diferentes dimensões. Gunsan é uma cidade central do Projeto Saemangeum. Trata-se de um plano de recuperação nacional que permitiu a construção do quebra-mar mais comprido do mundo (33,9 Km) e o desenvolvimento de um programa de infraestruturas de grande envergadura, entre as quais se inclui um aeroporto e portos e complexos industriais que ocupam 409 km2 de terreno conquistado ao mar. O concelho de Gunsan compreende áreas comerciais e industriais, freguesias agrícolas e piscatórias, o centro histórico e o novo centro da cidade que, em conjunto, dão forma a uma cidade única onde o passado, o presente e o futuro coexistem lado a lado. O doloroso passado de Gunsan Em 1899, a cidade de Gunsan foi obrigada pelo Japão a abrir o seu porto a outros países. Entre 1910 e 1945, atravessou um doloroso período marcado pela ocupação japonesa e pela exploração dos seus recursos naturais, nomeadamente os alimentares (arroz). Mesmo após a sua libertação, em 1945, os locais do seu património cultural 72 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Merece preservação Herança histórica e para a geração cultural moderna Preservação vindoura (recursos históricos) Migração da Economia local população para uma deprimida zona mais moderna do centro urbano Uma cidade turística, dinâmica, histórica e cultural Condições residenciais Exigem melhoria degradadas Renovação Entusiasmo dos residencial Participação cidadãos pela educação voluntária dos ao longo da vida foram negligenciados até atingir um nível de degradação Moderna de Gunsan. preocupante. Muitos jovens deixaram a cidade devido às Uma das características do projeto de preservação de precárias condições de vida. Gunsan é tratar-se de uma iniciativa que conta com a À medida que o novo centro da cidade se foi participação dos cidadãos, que é promovida e regida pelos desenvolvendo, os distritos comerciais da antiga Gunsan próprios cidadãos —juntamente com especialistas, grupos não foram alvo da atenção que mereciam, gerando, assim, artísticos e gestores municipais —, e está focada no reforço um círculo vicioso de declínio. das condições habitacionais e na melhoria da qualidade de vida dos seus residentes. No centro do projeto está o Antecedentes do projeto de preservação do conceito de Cidade Educadora: ‘A cidade pertence aos seus património cultural moderno cidadãos’. Existem 172 locais de património cultural no concelho de Gunsan que espelham a história da exploração colonial e Caraterísticas do projeto o sofrimento do seu povo durante o período de ocupação O projeto de preservação do património cultural de Gunsan japonesa, durante o qual, como núcleo urbano da cidade, pode ser descrito da seguinte forma: foram criadas áreas comerciais na zona residencial • Criou-se uma base de dados para os 172 locais de japonesa. Após a sua libertação, em 1945, a zona passou património histórico e cultural moderno com o objetivo a ser um centro administrativo, comercial e financeiro. de, em vez de os demolir, os preservar como espaços para Contudo, os bairros comerciais entraram rapidamente em a educação das gerações futuras. declínio devido ao êxodo da população, que se afastava das • O Centro de Apoio à Reabilitação Urbana — regido suas precárias infraestruturas e procurava áreas da cidade principalmente pelo Conselho de Moradores — promoveu a com maior desenvolvimento. participação dos cidadãos no projeto. Em 1993, a política do Governo da República da Coreia • No processo de elaboração do plano de preservação, a era proclive a fazer desaparecer muitos dos locais de cidade implicou-se ativamente na recolha das opiniões património cultural e apagar, assim, os vestígios do dos cidadãos, introduzindo, ao mesmo tempo, alterações colonialismo japonês. No entanto, e após um período no quadro legal e normativo para promover o seu de intensa reflexão, a cidade decidiu apostar na sua envolvimento em matérias administrativas. preservação, tendo em mente a utilização desses locais • Com vista a revitalizar a economia local, e em paralelo históricos e a dolorosa história a eles associada como parte com o projeto de reabilitação urbana, a cidade deu apoio da educação das futuras gerações. Em 2009, a cidade à criação de start-ups e cooperativas, promoveu serviços começou a promover de forma decidida o desenvolvimento de consultoria especializada e reestruturou os mercados do antigo e degradado centro histórico. Adicionalmente, tradicionais. e em articulação com a indústria turística, Gunsan foi • Promoveram-se, ainda, medidas de apoio adicionais, tais erguendo várias infraestruturas, como o Museu de História como o Festival de Aprendizagem ao Longo da Vida e o 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 73 Participação dos cidadãos na criação de elementos artísticos Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida, nos quais coadjuvantes, como as de melhoria das condições a cidade de Gunsan se tem empenhado desde que se habitacionais nos locais de património cultural moderno. tornou membro da AICE, em 2007. Os cidadãos foram • A Divisão de Apoio Educativo: responsável pela empoderados durante o processo de aprendizagem, dinamização da participação dos cidadãos através de criando-se, assim, um efeito sinergético pela sua programas de educação ao longo da vida — tais como participação no processo de preservação do património a Palestra por Encomenda (programa de conferências cultural moderno. especializadas por encomenda) e o Centro de Aprendizagem Feliz (centro de educação ao longo da A economia local e a arte tradicional em harmonia vida) — e, simultaneamente, pela promoção da formação Ao promover o projeto de revitalização do património de formadores em educação ao longo da vida. cultural através da educação ao longo da vida, a cidade de A cidade de Gunsan converteu-se, também, num lugar de Gunsan também estimulou a articulação da economia local eleição para as artes cinematográficas, ao abrir ao mundo baseada nas artes tradicionais com a indústria turística. do cinema o seu património cultural moderno. Foram criados alguns serviços administrativos dedicados a maximizar as sinergias: Preservação da cultura histórica moderna • A Divisão de Economia Local: responsável pela promoção Gunsan recuperou 172 edifícios históricos do antigo centro da revitalização das zonas comerciais, incluídos os da cidade (bancos, alfândegas, templos, casas de estilo mercados tradicionais, assente em dados estatísticos. japonês, etc.) que fazem parte do doloroso período de • A Divisão de Cultura e Artes: responsável pela promoção ocupação japonesa, que passaram a ser usados como da revitalização das tradições culturais regionais através espaços educativos para as gerações vindouras. da criação de sistemas de gestão do património cultural Entre 2009 e 2014, a cidade pôs em prática o Projeto de tangível e intangível, bem como da formação de grupos Criação da Cidade Cultural Moderna, com a finalidade de artísticos constituídos por cidadãos. fazer um levantamento das propriedades de construção • A Divisão de Promoção do Turismo: responsável pela moderna, e, em 2015, criou um plano de preservação e promoção de projetos turísticos através de vários eventos gestão do património cultural da cidade em colaboração relacionados com o património cultural tradicional com especialistas em cultura tradicional. e moderno, tais como a Noite de Yahaeng (Noite do A cidade também promoveu a vinculação das Património Cultural) e o Festival Viagem no Tempo de propriedades históricas modernas com projetos culturais Gunsan. e turísticos através da melhoria das condições residenciais • A Divisão de Reabilitação Urbana: promotora do ‘Centro nos bairros. de Apoio à Reabilitação Urbana’, cuja função é facilitar A cidade de Gunsan chamou a atenção para o seu a participação dos cidadãos e fomentar políticas património cultural servindo-se de vários meios, tais como 74 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Festival Viagem no Tempo de Gunsan Programa de formação cultural estudos de história moderna, cursos sobre o património que tem vindo a expulsar da cidade os moradores cultural e concertos nos espaços de valor histórico, assim originários. como diversas atividades culturais e artísticas para alunos Gunsan tem enfrentado, atualmente, grandes desafios das escolas básicas, que estão na base do projeto de devido ao encerramento dos estaleiros navais e das educação ao longo da vida. fábricas de automóveis que foram os alicerces da economia Além disso, a cidade promoveu um projeto educativo da cidade. Para enfrentar estas dificuldades e revitalizar sobre o património cultural que inclui 29 locais de os negócios locais, impedindo, assim, a fuga de capitais património cultural popular e monumentos próximos do para outras regiões, a cidade de Gunsan emitiu uma moeda núcleo urbano de Gunsan, juntamente com a edição de local cujo montante em circulação é de aproximadamente vários guias que explicam a relevância histórica desses 55 milhões de euros. O mais encorajador é o facto de os lugares. cidadãos terem aderido a esta iniciativa, adquirindo 92% da moeda emitida. A intenção dos responsáveis municipais Festivais sobre história e cultura modernas é atingir os 150 milhões de euros de moeda local em • Festival Viagem no Tempo de Gunsan (Uma viagem à circulação e introduzir um sistema móvel de dinheiro década de 1930) eletrónico. E ste festival surgiu em setembro de 2013 e promove A cidade continua, também, com o projeto Visiting Village cenários culturais urbanos ligados à memória do período Culture Café, cujo objetivo é maximizar as competências colonial japonês nos anos 30 do século XX. Estes cenários dos cidadãos, revitalizar as empresas locais e criar são usados como espaços educativos para as gerações empregos. O projeto consiste no envio de um orador para futuras. Todos os anos assistem ao festival cerca de as instalações de pequenas empresas, onde mais de cinco 500.000 visitantes1. cidadãos se reúnem para participar em atividades culturais • Yahaeng (‘Viagem Noturna’ – Noites do Património e de aprendizagem ao longo da vida. A cidade garante Cultural) o orçamento necessário. Até 2019, realizaram-se 250 D esde 2016, nas tardes e noites dos fins de semana de conferências em 568 pequenas empresas, usufruindo desta verão, decorrem várias iniciativas (feiras, performances, iniciativa aproximadamente 2.500 cidadãos. eventos, etc.) nas quais participam, anualmente, cerca de 300.000 visitantes, que usufruem dos modernos recursos Conclusão históricos e culturais disponibilizados2. A preservação e gestão do património cultural moderno de Gunsan é um projeto em curso. Este projeto participativo Os desafios que enfrenta Gunsan tem sido possível graças à recolha ativa da opinião dos Apesar do sucesso registado até à data, o projeto de habitantes da cidade através de inquéritos e reuniões reabilitação do património cultural moderno e a crescente públicas. indústria turística podem constituir fatores de risco, O povo de Gunsan acredita firmemente que uma cidade como resultado da perda de autonomia provocada pelo educadora pertence ao seu povo e que a participação dos investimento de capital estrangeiro — que interfere com a cidadãos alimenta a cidade com energia. base da economia local — e pelos efeitos da gentrificação, 1. http://festival.gunsan.go.kr 2. https://culture-nightgunsan.kr 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 75 EXPERIÊNCIA Biblioteca Municipal de Helsínquia, uma cornucópia de cultura e de aprendizagem urbanas Tuula Haavisto Diretora de Biblioteca e Diretora emérita de Cultura da Câmara Municipal de Helsínquia Com a abertura da nova Biblioteca Central Oodi, a cidade de Helsínquia lançou um conceito atualizado de biblioteca que está a influenciar toda a rede de bibliotecas da cidade. A tarefa tradicional das bibliotecas na promoção da literacia e da leitura e na utilização da informação foi alargada de modo a incluir novas formas de trabalho em rede, apoio à aprendizagem, cidadania ativa e literacia mediática. Os utilizadores e visitantes mostram o seu interesse através da utilização cada vez mais ativa das bibliotecas. A nova Biblioteca Central de Helsínquia, Oodi, foi Coreia do Sul e à Rússia, contando com a cobertura de inaugurada em dezembro de 2018, recebendo vários jornais como o The Guardian, o The New York Times ampla atenção nacional e internacional. A Biblioteca foi e o The Washington Post. Por outro lado, o grupo mais apresentada nos meios de comunicação internacionais, importante, os utilizadores que efetivamente frequentam da Itália a Portugal e a Espanha, do Brasil à Malásia, à a Biblioteca de Helsínquia, receberam calorosamente a Biblioteca Central de Helsínquia Oodi © Maarit Hohteri 76 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 No centro de Helsínquia, faltavam espaços para uso familiar. A partir A Biblioteca Oodi dispõe de videojogos e de salas multimédia © Jonna da abertura da nova Biblioteca Central Oodi, em dezembro de 2018, as Pennanen famílias são um dos grupos de utilizadores mais motivados. © Risto Rimppi. arrojada e nova Biblioteca. Muito raramente um edifício público de nova construção — e caro — recebeu aplausos Seis meses após a abertura da Biblioteca tão unânimes. Oodi, tinham sido emitidos 13.000 novos Tanto os residentes de Helsínquia como os visitantes da cartões de leitor na própria Biblioteca e cidade apoiaram a Biblioteca com a sua presença: durante dezembro de 2018, foram contabilizadas 286.000 visitas; 24.000 em toda a cidade de Helsínquia, no dia 15 de agosto de 2019, entrava pelas portas da o que significa um incrível acréscimo de Biblioteca o visitante número 2.000.000. 64% quando comparado com o ano anterior. A Biblioteca Oodi é um dos exemplos mais O número total de visitas às bibliotecas emblemáticos do renovado papel que desempenham de Helsínquia entre janeiro e junho de as bibliotecas públicas de Helsínquia. De acordo com 2019 superou em 42% o de 2018. Várias as reações de numerosos convidados internacionais, o conceito subjacente a este equipamento cultural bibliotecas filiais também aumentaram o pode ser considerado muito relevante dadas as atuais seu número de visitantes, embora algumas circunstâncias. A Oodi parece ser uma resposta adequada tivessem estagnado e outras tivessem visto a muitas necessidades novas e antigas dos cidadãos dos decrescer o número dos seus visitantes nossos dias1. relativamente ao ano anterior. O número As pessoas querem reunir-se num local onde possam total de empréstimos cresceu 6% (200.000) trabalhar e passar o tempo, querem adquirir novas competências e continuam a querer ler, embora essa em relação ao ano anterior, apesar de, mais necessidade pareça estar a diminuir. Reconhecer estas uma vez. necessidades foi um fator importante na discussão política de três horas que teve lugar antes de se tomar a decisão final de construir a biblioteca, que aconteceu em janeiro de 2015, como também foi importante garantir o apoio dos cidadãos ao projeto, algo de que os responsáveis políticos são perfeitamente conscientes. as bibliotecas públicas no fomento da leitura e da Para o projeto da nova biblioteca central, a Biblioteca literacia: “A biblioteca é um lugar para enriquecer a Municipal de Helsínquia desenvolveu uma nova visão. reflexão e o pensamento, e onde, através da partilha de Alargou-se a tarefa que tradicionalmente desempenharam conhecimentos, competências e histórias, criamos juntos uma nova sociedade cívica”. Tendo em conta estas necessidades e ideias, a nova Biblioteca foi concebida para oferecer: 1. Na Finlândia, as bibliotecas públicas, em geral, são uma resposta adequada • um espaço público aberto, não comercial; a uma grande variedade de necessidades. Mais de metade da população — • informação e competências para uma sociedade mais uma percentagem que chega a ser superior noutras cidades do país — utiliza funcional; regularmente as bibliotecas públicas. Estes dados dizem respeito não apenas às bibliotecas físicas, como também a outros tipos de serviços bibliotecários • uma enriquecedora experiência da cidade criada pelos disponibilizados através da Internet. seus próprios residentes; 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 77 Serviços e instalações oferecidos na Biblioteca Oodi Céu do Livro Uma vasta seleção de livros e revistas em cerca de 20 línguas, que podem ser lidos no local ou emprestados. A coleção inclui mais de 100.000 itens, incluindo música, videojogos e jogos de mesa, filmes, etc. Workshops urbanos e Oferece uma vasta gama de ferramentas profissionais, desde uma estação de espaços para criadores soldadura até um cortador a laser ou impressoras 3D, além do artesanato tradicional ou as máquinas de costura. As instalações e ferramentas de trabalho podem ser utilizadas de forma independente ou com a ajuda do pessoal da Biblioteca. Realizam-se regularmente workshops e eventos para todas as idades destinados a pôr em prática as suas ideias. Instalações para estudo, O horário da Biblioteca é alargado e oferece instalações abertas e agradáveis que trabalho e reunião podem ser usadas para trabalhos particulares ou para estudar. Também conta com salas de várias dimensões que podem ser reservadas por grupos para atividades de ensino. Os utilizadores também têm ao seu dispor computadores, impressoras, fotocopiadoras e ligação Wi-Fi. Serviços de música Podem ser reservados estúdios e salas de ensaio completamente equipados para a criação musical, do início ao fim do processo (ensaio, gravação e produção). O empréstimo de instrumentos e restante equipamento pode ser efetuado apresentando o cartão da Biblioteca. A Biblioteca dispõe de instalações específicas para acolher concertos. Serviços de jogos A Oodi oferece dispositivos e instalações para jogos eletrónicos em salas especificamente adaptadas que podem ser reservadas. Também conta com espaços para jogos de mesa. Eventos, workshops e Os utilizadores da Biblioteca Oodi podem participar numa variedade de eventos e palestras workshops, assistir a palestras e inspirar-se nas exposições de media art que ocorrem regularmente. Serviços para crianças e A Oodi dispõe de espaços para as famílias passarem tempo juntas a fazer coisas. As famílias crianças são bem-vindas em todos os andares do edifício. Os acessos foram adaptados para carrinhos e buggies. Por outro lado, a Biblioteca organiza muitos eventos gratuitos, tais como jogos de roda, sessões com contadores de história, concertos e dias temáticos. A maioria destes eventos decorre da colaboração entre a Biblioteca e outras organizações e profissionais no domínio da “cultura infantil”. Serviços de cinema, Nas instalações da Biblioteca oferecem-se outros serviços complementares, como informação e recreio sessões de cinema (com um auditório de 250 lugares), balcões de informação para diferentes serviços disponíveis para os cidadãos, o espaço de participação do município e uma área de recreio que serve de local de encontro para famílias com filhos e onde têm lugar atividades específicas. Restaurantes e cafés A Biblioteca conta com dois restaurantes e cafés dentro das suas instalações. • uma casa de leitura na área cultural de Töölönlahti2; • uma biblioteca para todos os sentidos, um novo programa • um centro pioneiro no quotidiano “inteligente”: fab labs, todos os dias. serviços virtuais, robôs...; Estes objetivos não foram desenvolvidos apenas pelo pessoal da Biblioteca ou por outros funcionários públicos. Um elemento importante desde o início foi a participação 2. Na área cultural de Töölön, estão concentradas diversas instituições dos cidadãos. Foram implementadas quase 20 iniciativas culturais. Distribuídas ao longo do grande parque que rodeia o golfo diferentes para implicar no projeto a população e os futuros (Töölönlahti) que se adentra pelo centro da cidade, encontramos instituições parceiros. No início, durante o período 2012-13, foram como a Ópera e o Ballet Nacional, o Museu Nacional, o Auditório Finlândia, a Casa da Música, o Teatro Municipal de Helsínquia e uma divisão do Museu da recolhidos 2.300 sonhos/visões dos cidadãos. A partir Cidade de Helsínquia, entre outros. deles, editaram-se oito relatórios temáticos que serviram 78 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 de documento oficial para a planificação do projeto. Após por si só. Os diversos pisos da biblioteca já não são esta recolha alargada de “sonhos”, as questões consultadas monopolizados por prateleiras e mesas de leitura. aos cidadãos tornaram-se mais concretas. Por exemplo, Em conformidade com os novos conceitos de trabalho que as famílias que participaram no planeamento da biblioteca decorrem da nova Lei, existem dois exemplos finlandeses familiar deram um contributo muito útil, como foi a dignos de menção. São eles a Metso Live Music e a criação, nas instalações do edifício, de vários “parques de Novellikoukku. A Metso Live Music, da Biblioteca Central estacionamento” para carrinhos de bebé. da cidade de Tampere — a Biblioteca Metso —, acolhe uma Esta participação prática e bem-sucedida dos habitantes série de eventos organizados pelo departamento de música de Helsínquia resultou num profundo sentimento de que a desta instituição, para os quais são convidados músicos nova Biblioteca também lhes pertence. de renome, que participam dando uma entrevista e um Desde a sua abertura, a participação dos cidadãos concerto. Os convidados costumam dar um concerto noutros continuou a fazer parte do modelo de trabalho da locais de Tampere, pelo que se pode dizer que também se Biblioteca Oodi. trata de uma modalidade de cooperação entre a Biblioteca e outros espaços culturais. Os eventos são gratuitos e A nova Lei de Bibliotecas muito populares. Daí que os músicos que atuam na cidade A Biblioteca Oodi é, também, o baluarte da nova Lei de acabem por desejar ser convidados para a Metso Live Music. Bibliotecas da Finlândia (2016). Os objetivos da Lei são A Novellikoukku (“seduzidos por/viciados em contos”) é um promover a igualdade de oportunidades relativamente ao conceito criado pela Biblioteca Municipal de Helsínquia que acesso à educação e à cultura, à disponibilidade e utilização consiste numa sessão de duas horas de duração durante a da informação, à leitura e à literacia, à aprendizagem ao qual uma pessoa lê contos à escolha enquanto outras vão longo da vida, ao desenvolvimento de competências e à comentando as histórias e fazendo tricô ou croché. cidadania ativa, à democracia e à liberdade de expressão. De acordo com esta Lei, as tarefas concretas das Rede dinâmica de bibliotecas de Helsínquia bibliotecas públicas são as seguintes: Ao todo, Helsínquia dispõe de 37 bibliotecas, duas • facultar o acesso a materiais, informações e conteúdos bibliotecas móveis, bibliotecas hospitalares e serviços culturais; bibliotecários ao domicílio3. Um recém-chegado gigantesco • manter coleções diversificadas e atualizadas; como a Oodi poderia facilmente ofuscar algumas das • promover a leitura e a literatura; outras bibliotecas. No entanto, em 2015 adotou-se • prestar serviços de informação, orientação e apoio na uma decisão política para salvaguardar toda a rede de obtenção e utilização da informação e na aquisição de bibliotecas, um património muito valorizado. competências de literacia polivalentes; • proporcionar um espaço para a aprendizagem, atividades recreativas, de trabalho e cívicas; 3. As bibliotecas móveis são autocarros para livros. Um deles está • promover o diálogo social e cultural. especialmente equipado para os leitores mais jovens. As bibliotecas hospitalares A nova Lei alarga, também, o âmbito das bibliotecas, da oferecem livros para os pacientes e funcionários lerem. Atualmente, a maioria leitura e da literacia para a aprendizagem e a comunicação destas bibliotecas estão localizadas em lares de idosos, onde as estadias são mais prolongadas. Os serviços bibliotecários domésticos levam os livros àqueles social. O espaço da biblioteca é considerado um serviço que, por uma razão ou outra, não podem sair das suas casas. Na primavera de 2019, catorze cafés de línguas ofereciam reuniões semanais Metso Live Music na biblioteca principal da cidade de Tampere. A jovem nas bibliotecas de Helsínquia, nos quais participaram centenas de imigrantes artista Lisa em estreito contacto com os ouvintes © Juhani Koivisto interessados em aprender a língua finlandesa © Satu Haavisto 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 79 A Oodi é, de certa forma, uma força em movimento dentro canais de comunicação social, as bibliotecas salientam a da rede. A Biblioteca Municipal assegurou, através de importância da leitura de textos narrativos e analíticos várias decisões, que o que foi aprendido com a Oodi seria longos. Uma compreensão profunda do mundo requer aplicado a toda a rede. Por exemplo, foi posto em prática um uma concentração séria que não acontece sem a leitura sistema de mobilidade regular para a Oodi aberto a todos os completa de livros, artigos e outras publicações bem trabalhadores da rede de bibliotecas interessados. Também pensados e argumentados. A constante torrente de foram implementados projetos para garantir a participação imagens a que assistimos nos nossos dias tem as suas dos cidadãos em toda a rede de bibliotecas. vantagens, mas não pode fornecer as bases para a Os utilizadores não abandonaram, entretanto, as outras mesma análise que um bom texto. A leitura e a literatura bibliotecas de Helsínquia. A sua importância como locais aumentam a criatividade de uma forma incomensurável. de encontro próximos é exatamente a mesma que a da Por outro lado, as bibliotecas públicas levam muito a sério Oodi: espaços públicos não comerciais, com horários a promoção da literacia mediática, especialmente para alargados, abertos a todos. Os utilizadores apreciam o facto aqueles grupos que não têm uma ligação natural com os de serem recebidos nas bibliotecas como indivíduos e não conteúdos digitais através do ensino, da formação ou do como pertencendo a algum grupo rotulado como “idosos”, trabalho. Por exemplo, a Biblioteca Municipal de Helsínquia “jovens”, “imigrantes” ou similar. colabora com uma associação chamada Enter Ry, que As outras bibliotecas filiais de Helsínquia também oferece aconselhamento e formação em TIC para idosos. oferecem numerosos programas destinados às crianças A Estratégia da Cidade de Helsínquia (2017) afirma que e aos estudantes mais jovens — na Finlândia são “a tarefa básica da cidade é prestar serviços públicos de considerados como tais a partir dos sete anos —, os quais qualidade e criar condições para uma vida estimulante e permanecem muitas vezes na biblioteca mais próxima agradável. A funcionalidade baseia-se na igualdade, na durante as tardes, enquanto os seus pais ainda estão a não discriminação, numa forte coesão social e em modos trabalhar. São numerosos e variados os debates locais que de funcionamento abertos e inclusivos”. O plano de ação têm lugar nas instalações das bibliotecas, consideradas da Biblioteca Municipal segue esta estratégia e a Lei de terreno neutral mesmo para os debates mais desafiantes Bibliotecas para, assim, servir a cidadania da melhor forma e polémicos. Os círculos de leitura e os cafés de línguas — possível. para os imigrantes praticarem a língua finlandesa — gozam de grande popularidade. A maioria das bibliotecas conta Referências: com espaços expositivos que são utilizados por artistas • Lei de Bibliotecas (2016): https://www.finlex.fi/en/laki/ kaannokset/2016/en20161492 amadores, colecionistas, amantes da história local e • Biblioteca Municipal de Helsínquia: https://www.hel.fi/kulttuurin-ja- amadores. vapaa-ajan-toimiala/en/services/Bibliotecas/ Todas as bibliotecas da Finlândia estão altamente • Biblioteca Central de Helsínquia Oodi: https://www.oodihelsinki.fi/en/ • Estratégia da Cidade de Helsínquia 2017-21: https://www.hel.fi/ motivadas para as áreas tradicionais das bibliotecas helsinki/en/administration/strategy/strategy/ públicas: a promoção da literacia e da leitura. A disputa • Ministério da Educação e da Cultura (2016): A Finlândia é pelo tempo livre das pessoas não é pouca, tendo em conta um dos melhores países do mundo no domínio dos serviços bibliotecários: https://minedu.fi/documents/1410845/4150031/ a quantidade de atividades tentadoras que oferece a Library+services/65df0ce2-685f-4c3c-9686-53c108641a5c/ Internet, e não só. Nesta era em que proliferam inúmeros Library+services.pdf A Biblioteca Oodi oferece Fabs Labs e espaços de criação “faça você As bibliotecas de Helsínquia são acessíveis a todos © Jonna Pennanen mesmo” © Jonna Pennanen 80 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 EXPERIÊNCIA EN RESIDENCIA: Criadores nas escolas de Barcelona. “Aqui encontrámos um espaço para pensar” Carles Giner i Camprubí Diretor do EN RESIDENCIA, Instituto de Cultura de Barcelona Desde 2009, o programa Creadores En RESIDENCIA [Criadores na Residência], levado a cabo nas escolas de Barcelona, propõe um espaço de trabalho partilhado entre artistas, alunas e alunos do 7º ao 10º ano e docentes de centros públicos. Ao longo de um ano inteiro, e dentro do horário letivo, criadores e criadoras de disciplinas de gerações muito diferentes desenvolvem um projeto artístico em conjunto com um grupo de jovens, desde a sua conceção até à sua apresentação pública. Vincular cultura e educação a partir de processos (duas terças partes das escolas públicas da cidade com de criação contemporânea alunos entre o 7º e o 10º anos). A seleção das escolas O projeto EN RESIDENCIA foi concebido e levado a cabo faz-se através de uma convocatória pública anual e as e graças à colaboração entre os principais agentes públicos os criadores são convidados pelas equipas de mediação culturais (o Instituto de Cultura da Câmara Municipal de (comissariado e coordenação), que desempenham funções Barcelona – ICUB) e educativos (o Consórcio de Educação de acompanhamento dos processos de criação ao longo de Barcelona – CEB, integrado pelos governos local e auto- de todo o ano letivo. O EN RESIDENCIA envolveu uma nómico) e a associação A Bao A Qu, uma entidade situada comunidade muito vasta de criadoras e criadores (115), nas interseções entre cultura, criação e educação. O EN docentes (133), adolescentes entre os 12 e os 16 anos (1770) RESIDENCIA foi concebido desde a ação conjunta, supe- e equipas de mediação (13 equipas, 30 pessoas)1. rando a tradicional separação entre os sistemas cultural e educativo, e pondo em causa o modelo habitual de re- Concebido e desenvolvido valorizando as funções lações entre ambos. O EN RESIDENCIA construiu-se desde de mediação cultural e educativa uma ótica conjunta e partilhada, e o facto de “construírem O EN RESIDENCIA nasce da convicção de que era neces- juntos” conferiu uma grande solidez ao programa que, em sário implicar agentes especialistas no desenvolvimento poucos anos, se consolidou como um projeto de cidade. e acompanhamento dos processos criativos no contexto O projeto tem como objetivo fortalecer o capital das e educativo formal, as chamadas “equipas de mediação”. dos adolescentes a partir da sensibilização para o sentido Desde o primeiro instante, considerou-se que 10 meses e a diversidade das práticas criativas contemporâneas: de processo criativo exigiam a presença de um agente artes visuais, poesia, arte ao vivo, música, design, circo, que exercesse as funções de comissário e coordenador, dança contemporânea e criação dramatúrgica. Num zelando pelo equilíbrio entre as dimensões artística e sentido mais vasto, o EN RESIDENCIA contribui para educativa do programa e acompanhando as criadoras e a criação das condições necessárias para um acesso os criadores e as e os docentes e adolescentes ao longo à cultura mais igualitário e equitativo, favorecendo a de todo o processo. Partindo desta convicção, o ICUB construção de relações mais horizontais entre os sistemas cultural e educativo. Ao longo das suas 10 primeiras edições, foram 1. Todos os processos de criação podem ser consultados em: www. realizadas 101 residências em 42 escolas de Barcelona enresidencia.org 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 81 Desalumnologia: Luis Bisbe EN RESIDENCIA, na escola Instituto Doctor Puigvert (2012-2013) e o CEB propuseram à Associação A Bao A Qu que se cidade ou de bairro), entidades, associações ou outros juntasse ao processo de definição do EN RESIDENCIA, agentes que, partindo do intercâmbio com as alunas e e a sua colaboração foi decisiva para a conceção inicial os alunos e as criadoras e os criadores, provocam uma do projeto e a realização das suas primeiras edições infinidade de interações diferentes. (edições “piloto”), nas quais a iniciativa foi ganhando A partir destas ligações, as e os adolescentes, as forma. A partir da quarta edição (2012-2013), foram sendo criadoras e os criadores e as e os docentes são assimilados incorporadas mais equipas de mediação, até perfazerem pelo sistema cultural e artístico da cidade. As residências um total de 13 equipas diferentes. crescem em intensidade e complexidade à medida que se As equipas de mediação do EN RESIDENCIA configuram visitam exposições, museus, ateliers de artistas, espaços um universo singular que inclui entidades especificamente de criação, auditórios, espaços cénicos e, também, à orientadas para as interseções entre a educação e a medida que as e os jovens são recebidos nestes espaços cultura (A Bao A Qu, L’Afluent, Experimentem amb L’Art, como sujeitos ativos e não como visitantes passivos. Escola Bloom), equipas educativas de museus (Fundação Frequentemente, estas ligações acabam por dar início Joan Miró, de Barcelona; Museu Nacional de Arte da a relações entre os centros educativos e os centros Catalunha, MACBA – Museu de Arte Contemporânea de culturais que perduram durante muito tempo após o Barcelona), equipamentos culturais (Mercat de les Flors, termo das residências. Os centros cívicos, bibliotecas, Teatre Dramatúrgia, La Central del Circo, La Caldera – Les galerias, centros de arte, salas de música ao vivo, teatros, Corts) e outros espaços independentes (Antic Teatre, etc., acolhem as apresentações públicas, as mostras, as La Poderosa). Por conseguinte, trata-se de agentes exposições e os espetáculos que resultam dos processos (associativos, privados, públicos, etc.) que fazem parte de criação. As ligações com o sistema artístico da cidade da vida cultural da cidade, cujo papel é fundamental para amplificam o efeito transformador das residências em estabelecer pontes entre as residências e o seu meio todas as pessoas envolvidas no projeto. envolvente. As equipas de mediação conjugam a condição territorial O ciclo do EN RESIDENCIA ao longo de 10 meses: e de proximidade com a visão global de cidade, e, através rutura com o caráter escolar propriamente dito, da sua ação, contribuem de forma decisiva para que mas inscrito dentro das atividades letivas. cada residência seja singular e, ao mesmo tempo, para O projeto EN RESIDENCIA exige uma dedicação mínima a construção permanente de uma cultura comum no de três horas semanais, com uma sessão de duas horas âmbito das mediações entre a cultura e a educação, seguidas com a presença das criadoras e dos criadores. definitiva para o EN RESIDENCIA. Com efeito, à medida Este requisito ajuda a quebrar a rigidez da relação espácio- que as residências vão amadurecendo os seus universos temporal habitual nas escolas, criando um tempo próprio (temático, territorial, artístico, etc.), as equipas de que supera o formato “disciplina”. Os processos de criação mediação, o ICUB e o Consórcio de Educação, de acordo não são disciplinas e não se realizam em sessões de 50 com as e os artistas e as equipas de docentes, incumbem- minutos; são um momento diferente e exigem outro tipo se de vincular as residências com a vida cultural da cidade, de clima. Esta medida, aparentemente tão simples, foi pondo-as em contacto com equipamentos culturais (de fundamental para manter o caráter real e autêntico dos 82 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 processos de criação. O EN RESIDENCIA não é uma aula de planificando quais serão os eixos (temático, artístico, arte contemporânea ou um atelier. No projeto realizam-se concetual, material) do processo de criação e, por isso, processos de criação contemporânea que se formalizam é o momento idóneo para ampliar o seu raio de ação numa “obra”. Convida as e os artistas a desenvolver uma para além do grupo imediato dos participantes. As obra própria, com a mesma importância e da mesma “contaminações” realizam-se durante os meses de janeiro maneira que o fariam no seu contexto habitual de trabalho. e fevereiro e consistem em ações (ao vivo, sob a forma Ao longo das dez edições realizadas, o EN RESIDENCIA foi de apresentações, sessões e/ou reuniões) nas quais as consolidando uma determinada maneira de desenvolver os criadoras e os criadores, as alunas e os alunos e as e os processos de criação. Sem perder o caráter experimental docentes partilham a residência com o resto das e dos único e irrepetível de cada residência, o projeto docentes da escola. Pretende-se, assim, dar a conhecer estabeleceu as suas próprias etapas, uns “passos comuns” a todo o centro (a começar pelo pessoal docente e pelas a todos os processos de criação que podem ser resumidos equipas da direção) o tipo de situações e de horizontes em três fases. projetados por cada residência e as oportunidades Uma primeira fase dedicada ao conhecimento mútuo das que esta oferecem para estabelecer “ligações” e e dos participantes e à descoberta (ou redescoberta) da alianças internas dentro do centro: tudo o que sucede escola, do seu meio envolvente, do bairro. Nesta fase “de na residência pode ser partilhado com outras alunas e aterragem”, sensibiliza-se para o valor da investigação, da outros alunos, com outras disciplinas, com outros temas documentação, do registo e da conservação da informação, trabalhados em paralelo na própria escola. Deste modo, da experimentação… o objetivo das “contaminações” é criar cumplicidades No fim da “aterragem” (dois, três ou quatro meses no interior do centro, vinculando os processos de criação após o início da residência, conforme o processo), dá-se com o projeto educativo e com outros contextos da início à fase das “contaminações”. As residências vão escola. Josep Maria Balanyà EN RESIDENCIA, na escola Instituto Joan Brossa (2010-2011) 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 83 Após as sessões de “contaminação”, o ritmo e a ponderação e de recapitulação de tudo o que foi realizado. velocidade das residências cresce e os processos são A fase de “encerramento” vai muito além da avaliação, que orientados para a sua apresentação pública: O EN não deixa de ser apenas mais uma parte do ciclo de toda a RESIDENCIA considera que os processos de criação residência, mas é, também, uma avaliação formal. e as obras (ou documentos) resultantes dos mesmos É certo que O EN RESIDENCIA faz parte de tudo o que devem alcançar a máxima difusão. A dimensão social da é obrigatório para as alunas e os alunos (apesar do seu criação artística passa por criar espaços de apresentação caráter opcional e, por conseguinte, de participação pública nos quais as obras e os processos possam ser voluntária), e, neste sentido, é avaliado como qualquer apresentados e exibidos, e onde as e os jovens, artistas outra disciplina. No entanto, trata-se de uma avaliação e docentes possam revelar o sentido das peças e da diferente, totalmente indissociável das aprendizagens de sua criação. As apresentações decorrem nos espaços competências. As competências em jogo (investigação, considerados mais coerentes com o processo realizado, experimentação, trabalho em equipa, comunicação, que tanto podem ser centros culturais, como a própria diálogo, documentação, arquivo, elaboração de relatos escola. O EN RESIDENCIA ganhou um espaço na e de narrativas, escrita, interpretação…) são avaliadas vida cultural de Barcelona e as suas apresentações pelas e pelos docentes, que desempenham um papel públicas têm lugar no circuito de exibição artística da fundamental ao longo de todo o processo: recebem as cidade. criadoras e os criadores no centro e vinculam os processos A residência não termina com a sua apresentação e de criação com a vida da escola, com o projeto educativo exibição, pois, posteriormente, têm lugar as sessões de e as aprendizagens que as alunas e os alunos devem “encerramento”. Após as apresentações, as e os artistas, protagonizar. O diálogo entre as alunas e os alunos, as e os as alunas e os alunos, as e os docentes e mediadores docentes e as criadoras e os criadores é fundamental em reúnem-se para participar em sessões de avaliação, de todas as fases da residência. Playground Scene: Laia Estruch EN RESIDENCIA, na escola Instituto Juan Manuel Zafra (2016-2017). 84 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 O EN RESIDENCIA valoriza a dimensão cultural das escolas, que também se têm de definir como centros de produção cultural e artística, deixando de lado a visão tradicional restritiva que as qualifica como centros de reprodução cultural. À espera das políticas públicas para a cultura e a educação O EN RESIDENCIA faz parte das iniciativas que reclamam a necessidade de formular e desenvolver políticas reais que vinculem a educação com a cultura. Umas políticas públicas de longo alcance que deveriam assentar na transformação do modelo tradicional da relação entre ambos os sistemas. Tradicionalmente, estas relações mantiveram-se exclusivamente num nível instrumental assente no consumo: os centros culturais proporcionam atividades às escolas (que consomem uma oferta Adolescencia programada: Los Corderos EN RESIDENCIA, na escola fechada e limitada de atividades) e as escolas, por sua Instituto Milà i Fontanals (2013-2014) vez, proporcionam o público (visitantes, espetadores, audiências, ocupação de lugares…). Trata-se de um intercâmbio desigual e hierarquizado que condena ambos à condição de utentes ou de programadores. Cabe, pois, aos governos locais promover a cidadania ativa, a subjetividade e a participação em todos os processos relacionados com a cultura. Em suma, a ideia é deixarem de ser meros recetores e passarem a ser atores, cidadãs e cidadãos com direito a opinar e a exprimir-se. Ficou, assim, demonstrado que o EN RESIDENCIA transforma todas e todos os que participam na experiência. Transforma o olhar sobre a criação contemporânea, as maneiras de estar (na escola, na aula, nos museus…), valorizando a dimensão educativa dos centros culturais e enfatizando a dimensão cultural dos centros educativos. Transforma as pessoas (as residências não deixam ninguém indiferente), questiona os sistemas, La cabaña LAMBEGBPAOLTJRI: Pep Vidal EN RESIDENCIA, na escola Instituto - Escuela Costa i Llobera (2015-2016) contribui para a redescoberta da cidade e da vizinhança, faz com que o corpo entre em jogo, obriga à introspeção, à memorização e a formular vozes e palavras. Como muito bem resume o nome da exposição comemorativa dos 10 anos do EN RESIDENCIA: “Aqui encontrámos um espaço para pensar”2. Vecinos, casas, calles y plazas: Domènec EN RESIDENCIA, na escola 2. Exposição apresentada no Centro de Arte Contemporânea de Barcelona – Instituto Josep Serrat i Bonastre (2015-2016) Fabra i Coats, de 12 de abril a 30 de junho de 2019. 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 85 EXPERIÊNCIA A música como motor e facilitador do desenvolvimento sustentável Dagmara Szastak Especialista em Programas de Cultura Independente da Cidade dos Jardins, Katowice Katowice é uma cidade em pleno desenvolvimento e transformação, que está a deixar para trás o seu passado de polo pós-industrial para se converter numa cidade das indústrias criativas. Assim, ganhou um novo estatuto como centro científico e cultural, onde o conhecimento e a criatividade são as pedras angulares do seu desenvolvimento. A sua inclusão na Rede de Cidades Criativas da UNESCO não só fez crescer o prestígio de Katowice no panorama internacional, como, acima de tudo, tem contribuído para o seu desenvolvimento em muitas áreas nas quais a educação desempenha um papel fulcral. Katowice é uma cidade que está a mudar em várias Cidade Criativa da Música é o projeto da UNESCO que está dimensões, com um desenvolvimento particularmente a ser implementado pela Cidade dos Jardins de Katowice dinâmico que se tem vindo a verificar ao longo dos últimos - Centro Cultural Krystyna Bochenek. A missão desta vinte anos. Durante este tempo, não só mudou a paisagem instituição é promover as atividades artísticas e educativas, da cidade, como também aumentou o seu estatuto como o que tem vindo a fazer no domínio da cultura musical centro científico e cultural. entendida no seu sentido mais amplo, de forma a alcançar Por sua vez, a intensidade e diversidade do potencial mais eficazmente objetivos sociais como o aumento da musical da cidade, juntamente com a sua rica história coesão social e o combate à exclusão, e contribuindo, e tradição musical, resultaram na elevada pontuação assim, para o desenvolvimento sustentável da cidade, de da sua candidatura para ser incluída na Rede de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Cidades Criativas da UNESCO, o que finalmente viria da ONU para 2030. Entre as atividades realizadas por esta a acontecer em dezembro de 2015. A adesão a esta instituição que podem ser definidas como exemplos de rede disparou o prestígio internacional de Katowice, boas práticas incluem-se: mas, acima de tudo, está a ser decisiva para o seu desenvolvimento em muitas áreas nas quais a educação O Polo da Música desempenha um papel fundamental. É também uma Este hub apoia o setor da música em Katowice a vários evidente confirmação da transformação em que está níveis: desde artistas locais (Dzielnica Brzmi Dobrze – O imersa Katowice, antigo polo pós-industrial que hoje se Bairro Soa Bem) a projetos que exploram temas musicais revela como cidade das indústrias criativas. O processo amplamente compreendidos (Muzykogranty), bem como de mudança indica, claramente, o rumo que a cidade reuniões e workshops para desenvolver a qualificação dos pretende seguir, fazendo da indústria baseada no profissionais do setor (Katowicki Radar Muzyczny – Radar conhecimento e na criatividade uma das pedras angulares Musical Katowice). do seu desenvolvimento. Para além de um apoio significativo ao meio musical, uma Apoiar jovens talentos, financiar projetos musicais locais, tarefa igualmente importante do Polo da Música é a gestão organizar concertos para residentes, promover projetos de um espaço multifuncional dedicado a um conjunto artísticos inovadores e fomentar a educação musical de significativo de entidades representativas de diferentes todas as faixas etárias são as atividades mais importantes áreas da indústria musical, sobretudo as relacionadas realizadas pela cidade no âmbito da sua adesão à Rede de com os músicos profissionais e amadores. O Polo da Cidades Criativas. Música contará, igualmente, com estúdios de gravação 86 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 © Radoslaw Kaźmierczak profissionais (pós-produção, gravação in situ e móvel), realizam-se todos os meses reuniões da indústria musical, salas de ensaio (com equipamentos musicais, sonoros e conhecidas como Katowicki Radar Muzyczny (Radar de backline), armazéns para equipamento e aparelhagens, Musical Katowice), durante as quais os representantes da estúdios de produção e pós-produção e espaços para comunidade musical de Katowice podem participar em oficinas e workshops. palestras, workshops e encontros com agentes musicais O Polo da Música pretende dar resposta à crescente polacos e estrangeiros, bem como com especialistas procura de um mercado da música em permanente em relações públicas, marketing, direitos de autor e ascensão. Oferece aos artistas de Katowice uma direitos de execução. É, também, uma plataforma de oportunidade única para desenvolver os seus talentos num discussão para quem quiser cocriar o espaço musical da contexto totalmente profissional. Para tal, o Polo da Música cidade e da região. O projeto inclui, também, encontros irá disponibilizar um esplêndido e completo conjunto de (conferências, workshops) abertos ao público, alternando ferramentas para o desenvolvimento da criação musical, a os organizados pelo Katowicki Radar Muzyczny – Rozmowy sua divulgação e a sua popularização. Por outro lado, dará (Radar Musical Katowice – Conversas) com os debates um impulso adicional ao desenvolvimento da economia local. moderados pela Akademia Menedzerów Muzycznych O local escolhido para o desenvolvimento da indústria (Academia de Managers de Música). Entre os convidados musical foi a sede da Cidade dos Jardins de Katowice, incluem-se artistas, produtores, managers, jornalistas, concretamente dois dos seus pisos: num deles decorrem os compositores, treinadores vocais, compositores, ensaios, workshops e gravações — incluindo a possibilidade organizadores de festivais e eventos da indústria musical, de gravação na sala de concertos — e, no outro, está bem como professores polacos e estrangeiros, entre instalado um estúdio de gravação móvel que pode outros. Esta iniciativa destina-se a representantes da funcionar dentro ou fora da sede da instituição. comunidade musical da região e a pessoas interessadas O espaço também é utilizado por um grupo de pessoas, no desenvolvimento da música na cidade de Katowice. A interessadas na cultura hip hop, que se reúne regularmente educação continua a ser o seu objetivo principal. na instituição no âmbito do projeto Rapsztaty. Os workshops alternam com os encontros organizados Dzielnica Brzmi Dobrze (O Bairro Soa Bem) – pela Ślaska Liga Wolnostylowa (Liga de Estilo Livre da ‘ educação de bandas de música Silésia), durante os quais os participantes aperfeiçoam Dzielnica Brzmi Dobrze é um projeto destinado a bandas as suas habilidades no rap improvisado. Os encontros de música de Katowice que estão a começar a sua carreira. temáticos centram-se em assuntos como freestyle, texto, O objetivo é apoiar grupos musicais enraizados na cidade, masterização, beatmaking, vídeo musical, redes sociais que se identificam com ela e representam diferentes e gestão. Nos workshops Rapsztaty, são frequentemente bairros de Katowice. Funciona desde 2016 como parte do convidados artistas de renome e muito apreciados. Polo da Música — a incubadora para o desenvolvimento da Ainda como parte das atividades do Polo da Música, indústria musical. 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 87 © Eric Van Nieuwland O programa foi especialmente pensado para jovens As bandas têm a oportunidade de participar em bandas, as quais, apesar do seu enorme potencial, se numerosos workshops de e sobre música, incluindo deparam com inúmeros obstáculos que as impedem de técnicas vocais (quatro edições), produção musical aparecer na cena musical de Katowice (e noutros locais). O (Ableton), mistura e masterização, bem como relações objetivo do projeto é fazer o diagnóstico destes obstáculos públicas e imagem de agrupamentos musicais, em parceria e ajudar a superá-los através da formação contínua no com Kayax. Também organizámos workshops de percussão domínio da captação e manutenção efetiva da atenção dos e uma masterclass de guitarra. ouvintes. Os participantes do projeto tiveram a oportunidade de As bandas —até um máximo de cinco — são selecionadas enriquecer a vida musical da cidade —e não apenas na anualmente por concurso. Contam com o patrocínio da cidade — com concertos extraordinários, quer em clubes, Katowice - Cidade da Música da UNESCO e o apoio, durante quer ao ar livre. Em apenas quatro anos, o Dzielnica Brzmi dois anos, da Cidade dos Jardins de Katowice, incluindo Dobrze (O Bairro Soa Bem) permitiu a realização de mais uma série de iniciativas, como workshops, concertos, de duzentos concertos e cocriou vários projetos especiais. gravações de estúdio, sessões de vídeo e vídeos musicais. É igualmente importante referir que os músicos podem Desta forma, pretende-se fomentar a sua carreira musical, utilizar, durante todo o ano, uma sala de ensaios totalmente levando-as dos bairros da cidade para todo o país e – equipada, com backline e sistema de som, localizada no finalmente – para o resto do mundo. edifício da Cidade dos Jardins. Também dispomos do nosso Todos os anos concorrem entre cinquenta e sessenta próprio estúdio de gravação. bandas. Passam à seguinte fase entre vinte e trinta, que depois se apresentam perante um júri na sala de concertos Participação no programa URBACT - da Cidade dos Jardins de Katowice. Nos últimos quatro implementação do ‘Projeto em Cena. Escolas de anos, recebemos mais de duzentas candidaturas, das quais Música para a Mudança Social’ cerca de cem foram pré-selecionadas para passar à fase O URBACT é um programa europeu de cooperação seguinte, a das audições. territorial, de aprendizagem coletiva e troca de Até agora, mais de vinte bandas beneficiaram do nosso experiências relacionadas com a promoção do patrocínio. Já publicámos dez CD e em breve serão lançados desenvolvimento urbano sustentável e integrado. Salienta outros tantos. Também concebemos as capas dos álbuns em o papel fundamental desempenhado pelas cidades perante colaboração com estudantes da Licenciatura em identidade mudanças sociais cada vez mais complexas. A participação visual, graças à parceria com a Academia de Belas Artes. no programa envolve o trabalho em rede de cidades Por outro lado, criámos nove sessões de vídeo de 360 graus para cujo desenvolvimento são importantes várias áreas — gravados nos respetivos bairros de cada banda —, bem temáticas. Permite que as cidades desenvolvam métodos como cinco vídeos musicais que serão completados com práticos, inovadores e sustentáveis que combinem aspetos mais cinco sessões de vídeo proximamente. económicos, sociais e ambientais. Nesse sentido, o objetivo 88 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 principal do ‘Projeto em Cena. Escolas de Música para a quando necessário, a representa no exterior. A banda é Mudança Social’ é promover a integração social através da uma comunidade local em miniatura, que alimenta as educação musical. Além de Katowice, cooperam na rede de relações intergeracionais, ajuda a manter relações positivas transferências as cidades de L’Hospitalet (Espanha) — líder entre os seus membros e transfere conhecimentos e do projeto e criadora da guia de boas práticas —, Valongo valores importantes para comunidades pequenas. Por outro (Portugal), Adelfia (Itália), Aarhus (Dinamarca), Brno lado, também facilita a comunicação dentro da comunidade (República Checa) e Grigny (França). e prepara os seus futuros líderes. O significado cultural da A tarefa de Katowice é adaptar as “boas práticas” educação musical e a forma como a música contribui para implementadas pela cidade que lidera a rede às condições a aquisição de conhecimentos de outras áreas — como, locais, diagnosticando problemas que a comunidade possa por exemplo, a matemática — são outros dos aspetos ter de vir a enfrentar e respondendo à questão de como fundamentais. a música pode ajudar a resolvê-los. O trabalho sobre a Para além do seu valor educativo, a implementação das filosofia do projeto e a concretização das propostas envolve melhores práticas do URBACT, que, em última análise, importantes investimentos financeiros por parte das deverá resultar na criação de bandas filarmónicas infantis cidades. De resto, a participação no programa URBACT cria nas escolas estatais, ajudará, também, a combater a uma oportunidade única para desenvolver um documento exclusão social através de uma maior integração das estratégico que possa contribuir para o aumento do nível comunidades locais. de educação musical na cidade. A transformação dinâmica da cidade baseada na cultura A tradição das bandas filarmónicas e das heranças exige o envolvimento não só das empresas, como também musicais locais revelaram-se peças essenciais na estratégia da comunidade local. Katowice está empenhada em adotada para adequar o projeto ao ambiente de Katowice. melhorar constantemente a sua estratégia de captação de Está intimamente relacionado com o Kultura De‘ta (Cultura investidores. Ao mesmo tempo, reconhece a importância Filarmónica), outro projeto implementado pela Cidade de fatores como o envolvimento dos cidadãos nos assuntos dos Jardins de Katowice, de caráter plurianual, dedicado da cidade, a participação dos habitantes de Katowice nas ao tópico das bandas filarmónicas, embora inserido rúbricas do orçamento cívico, um setor de ONG vigoroso num contexto mais alargado (artístico, cultural, social e e o estímulo destas atividades por parte da cidade. Isto educativo). coloca novos desafios, mas também novas oportunidades, A banda filarmónica que tomámos como modelo desejável para a cidade e os seus habitantes. nasce na comunidade local, que serve diariamente e, © Radoslaw Kaźmierczak 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 89 EXPERIÊNCIA Escola Livre de Artes Arena da Cultura. Acesso, protagonismo e formação Bárbara Bof Diretora de Promoção dos Direitos Culturais da Prefeitura de Belo Horizonte Com mais de 20 anos, a política de formação artística e cultural da Prefeitura de Belo Horizonte se fortalece com a Escola Livre de Artes Arena da Cultura Reconhecida como projeto estratégico da Prefeitura de O diálogo e participação social, as ações intersetoriais Belo Horizonte (PBH), a Escola Livre de Artes Arena e o envolvimento de público intergeracional são práticas da Cultura (ELA-Arena), vinculada à Diretoria de Promoção que podem ser destacadas desde a implementação do dos Direitos Culturais, da Fundação Municipal de Cultura Programa Arena da Cultura, em 1998, até a criação da e da Secretaria Municipal de Cultura, oferece formação ELA-Arena em 2014. Expandindo e se fortalecendo, esta artística e cultural gratuita em todas as regionais da cidade, política de formação artística e cultural se fundamenta em priorizando a democratização e a universalização do princípios que permanecem há mais de duas décadas. acesso. A ELA-Arena tem como projetos estruturantes o Arena da A roda como fundamento: diálogo e participação Cultura e o Integrarte. Por meio destes projetos, as áreas de Desde a sua criação, o Arena da Cultura exerce sua Artes Visuais, Teatro, Circo, Dança, Design Popular, Música vocação de ser uma política descentralizada para formação, e Patrimônio Cultural são abordadas em cursos, oficinas, fomento e criação artística e cultural, fruto da articulação encontros e espaços de experimentação, além de mostras, entre poder público e a população de Belo Horizonte. rodas de conversa e atividades de difusão. No contexto da sua criação, na década de 1990, era O desenvolvimento de cursos e oficinas concretiza comum a prática horizontalizada da “roda”, consequência atualmente o atendimento direto ao público em 22 dos “Fóruns Regionais” por meio dos quais se estabeleceu unidades culturais nas nove regionais de Belo Horizonte; diálogo e proximidade com a população. Este pressuposto anualmente, a oferta de 4.000 vagas permite a facilitação permanece em constante atualização, sendo as conversas do acesso dos cidadãos a uma formação de qualidade; por em roda fundamentais para uma metodologia de trabalho meio do Núcleo Pedagógico e em reuniões semanais, a que se propõe como um exercício de participação Escola busca aprimorar a metodologia artístico-pedagógica democrática, investindo, sobretudo, na escuta. construída coletivamente e leva em conta a diversidade A roda para a Escola representa o exercício de de alunos e suas contribuições para o aprendizado, bem horizontalidade entre os participantes. A Arena que como a emancipação do sujeito por meio da arte e da carrega no nome é também uma metáfora para designar cultura. este espaço aberto em que cabe a diversidade de Esta política pública tem como objetivo assegurar o direito pensamentos, o embate de ideias e a construção do bem à formação artística e cultural para todos, em um processo comum no encontro de diferenças. construído em diálogo com a cidade, com abordagem A esse caráter colaborativo, acrescenta-se a disposição própria, em constante atualização metodológica e do Arena e de sua comunidade para se estruturar organizacional a partir de demandas edificadas em diversos frente a oscilações de ordens diversas, principalmente territórios de Belo Horizonte. econômicas, que interferem na agenda pública e em todas 90 MONOGRÁFICO CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 2020 Dança © Ricardo Laf Música © LAVA as suas instâncias. Ao atravessar adversidades, a ELA- carga horária de 180 horas, voltadas para a elaboração e/ Arena se sustenta mantendo seus princípios e propostas ou execução de projetos autorais individuais ou coletivos. metodológicas fundamentados em um processo que reitera Delineados sob a supervisão dos professores do curso, tais a garantia dos direitos culturais. projetos devem estar relacionados aos contextos escolares Para além do cotidiano da Escola, como forma de ouvir dos participantes, tendo em vista o envolvimento da os cidadãos, são promovidos periodicamente seminários, comunidade escolar. fóruns e reuniões públicas. A ELA-Arena também tem sido O Integrarte e as ações derivadas desta parceria entre pautada em instâncias de participação popular como o as Secretarias de Cultura e Educação resultaram na Conselho Municipal de Política Cultural de Belo Horizonte assinatura de uma portaria conjunta firmada em julho de (COMUC), assim como as Conferências Municipais de 2019. Esta portaria estabelece, além da continuidade do Cultura. Projeto Integrarte, outras quatro políticas estratégicas, relacionadas às áreas de literatura, audiovisual, eventos e Ação intersetorial patrimônio cultural. O Integrarte configura-se como uma ação intersetorial de extrema relevância, e redimensiona as perspectivas Trocas de experiências da Escola graças à natureza transversal do projeto que A Escola busca promover oportunidades ao acesso e reúne as sete áreas artísticas em torno de um objetivo fruição de bens, produtos e serviços culturais à população comum: criar relações entre os modos de fazer e pensar belo-horizontina. Abriga pessoas de diferentes faixas nos campos da arte e da educação qualificando a prática etárias, com interesses e perspectivas diversas, assim de trabalho de agentes públicos vinculados à Secretaria como experiências variadas no campo das artes. Essa Municipal de Educação (SMED). abrangência do público proporciona um encontro Criado em 2016, o projeto Integrarte promove curso intergeracional e consequentemente uma troca de de formação em arte e cultura para agentes públicos da experiências e valorização de saberes. Educação, com o objetivo de fortalecer a condução de Os “Encontros de Brinquedos e Brincadeiras”, vinculados processos pedagógicos desenvolvidos cotidianamente junto à área artística de Patrimônio Cultural, por exemplo, tem aos alunos. Anualmente são contemplados diretamente mobilizado público de todas as faixas etárias. A grande 250 educadores e indiretamente mais de 10 mil estudantes procura por estas atividades em todos os centros culturais da rede pública municipal. e também no Centro de Referência da Cultura Popular O Integrarte coloca o corpo docente da ELA-Arena frente e Tradicional Lagoa do Nado (CRCP) vem confirmando a à realidade de agentes públicos da educação e aos desafios importância de ações voltadas à cultura da infância que apresentados no cotidiano das escolas. Sua perspectiva integram também adultos e idosos. metodológica se volta para a promoção de reflexões e para Democratizar o acesso pressupõe atenção também a estudos no campo das artes e da cultura, amparada pela camadas da população em situação de vulnerabilidade relação de tais estudos com contextos educativos diversos, socioeconômica ou excluídas do exercício de seus reconhecendo e qualificando o papel multiplicador do direitos culturais por condições historicamente adversas. agente público da educação. Reconhecendo as individualidades e combatendo os Apresentando aos participantes elementos artísticos, individualismos, as práticas artístico-pedagógicas que se culturais e pedagógicos, o Integrarte é estruturado em desenvolvem na Escola Livre de Artes Arena da Cultura oito módulos integrados e transversais, vinculado às sete incitam o entrelaçamento entre as diferenças como áreas artísticas da ELA-Arena. Seus conteúdos, teóricos e recurso primordial para a promoção da subjetividade, sem práticos são vivenciados ao longo de todo o curso que tem a perda da perspectiva cooperativa. 2020 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO MONOGRÁFICO 91 Design Popular na Mostra Arena 2019 © LAVA Artes Visuais Conquistas e avanços articulações acerca da implementação do Núcleo de Desde 2018, a ampliação de orçamento da ELA-Arena Produção Digital (NPD). e sua manutenção para 2019 e 2020 possibilitou a O NPD conta com oficinas de capacitação e sensibilização retomada do investimento existente em 2014, antes audiovisual voltadas para análise e crítica cinematográfica, do corte orçamentário. Cresceu a oferta de atividades roteiro, fotografia, preparação de atores e atrizes para descentralizadas com a realização de novas ações nos cinema, pós-produção, edição, entre outras. As oficinas Centros Culturais e CRCP e também na região central. É serão realizadas em parceria com a ELA-Arena, dando importante ressaltar que a Escola, por ser descentralizada um passo importante para processos de formação que e por ter sua história imbricada às unidades culturais, não contemplarão o campo do audiovisual na cidade. apenas ocupa esses territórios, mas é parte deles. Nos ciclos formativos desenvolvidos pela Escola em Em 2019 a ELA-Arena está concretizando importantes suas sete áreas de atuação, os alunos têm apresentado avanços relacionados à sua história e memória, bem demanda de relacionar seu aprendizado ao mercado como à realização de ações que apontam para a criação cultural. Esta demanda, reiterada no Seminário Formação de duas novas áreas artísticas e de ações de capacitação, em Foco em 2018, viabilizou-se em 2019 com oficinas que atendendo às demandas apresentadas nas instâncias de vão aproximar público interessado e grupos artísticos participação. e culturais amadores do universo da gestão e produção O Plano Político Artístico Pedagógico da ELA-Arena, cultural e dos bastidores das artes, como cenário, figurino, que será publicado em 2020, registra as diretrizes, sonorização, expografia, curadoria, iluminação, sonoplastia, contextualização histórica, estrutura organizacional e o entre outras experiências. Para atendimento a estas plano metodológico da Escola. Em fase de produção está oficinas foram adquiridos equipamentos que irão atender o documentário que abordará os 20 anos do Arena da as nove regionais da cidade. Cultura. Difundindo o propósito, os desafios e as conquistas A ELA-Arena reafirma em suas ações a cultura como da ELA-Arena, o documentário contempla a organização de bem público, como direito irrestrito, acreditando que acervo de imagens, entrevistas, depoimentos, documentos é na confluência entre educação e cultura, que ambas e registros diversos feitos nessas duas décadas. áreas ganham um significado mais profundo. Propiciar as A criação da Biblioteca da Escola Livre de Artes (B.E.L.A.) condições necessárias para o amplo acesso à formação aponta perspectivas de ações vinculadas à área de artística, descentrar ações e também modos de pensar e literatura. A B.E.L.A disponibilizará acervo bibliográfico agir no mundo, reconhecer o direito à existência destas especializado em diversas áreas artísticas. Outra demanda diversidades e valorizar as expressões simbólicas e importante pautada por cidadãos de Belo Horizonte é a identitárias são princípios que acompanham e alimentam o realização de ações continuadas na área de audiovisual. dia-a-dia da Escola Livre de Artes Arena da Cultura há mais Nesse sentido, em 2019 a Escola passou a compor de vinte anos. Associação Internacional de © da edição: Maquetagem: Cidades Educadoras (AICE) AICE Cristina Vidal, Gerenciamento C/Avinyó 15, 4a planta de Serviços Editoriais, Câmara E-08002 Barcelona © das entrevistas e artígos: Municipal de Barcelona Os autores Coordenação: Data de publicação: Jordi Pascual e Jordi Baltà, © das fotografías: Julho 2020 Comissão de Cultura da Especificado em cada imagem Cidades e Governos Locais Depósito legal: Unidos Fotografía de capa: Câmara B-14.896-2020 Marina Canals e Mª Ángeles Municipal de Katowice Cabeza, Secretariado da AICE ISSN: Fotografía do interior da 2696-4708 Traduções: capa e contracapa: Câmara Margarida Amado Acosta e Municipal de Gunsan José Léon Acosta Carrillo Revisão de estilo e correções: Manuela Raimundo e Paulo Louro, Gabinete Lisboa Cidade Educadora, Câmara Municipal de Lisboa Atribuição – Não Comercial – Sem Derivações Coleção de monográfi cos Monográfi cos anteriores disponíveis em espanhol, francês e inglês Ciudad, Convivencia y Ciudad, Inclusión Educación Social y Educación Nº6, 2017 Nº5, 2014 Ciudad, Medio Ciudad, Juventud y Ambiente y Educación Educación Nº4, 2012 Nº3, 2011 Ciudad, Deporte y Ciudad, Urbanismo y Educación Educación Nº2, 2010 Nº1, 2009 NOGRÁFICOMO RAS ADES EDUCADO E CID 2020 D CIONAL ÃO INTERNA ASSOCIAÇ a será uma cidade nunc que cultural seja de ão “Estou convicta imens tura sem que a sua d ente tornar a cul sustentável eracional. É urg s, op políticas urbana s dade, explícita e são chave da o a criativi uma dimen rimónio, apoiand e o o o pat e e garantindo qu protegend iversidad todos.” promovendo a d ível a nto é acess to, conhecime z Pin Catarina Va oa unicipal de Lisb ltura da Câmara M readora da Cu Ve CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO 7 CIDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO · 2020